terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Portugal ultramarino e o anticolonialismo (ii)

Escrito por Oliveira e Castro









«Em 1933, embarquei no primeiro navio construído em Inglaterra ao abrigo do recente programa naval: o "Gonçalo Velho". O comandante Rebelo (o primeiro oficial sob cujas ordens servi) fora o imediato do "Limpopo", quando do conflito com a esquadra russa, na Baía dos Tigres. Zilhão, Cruz, Pinto eram três dos oficiais da guarnição.

Percorremos os portos do País, de Norte a Sul, mostrando o navio; navegámos para as Ilhas e chegámos a Angola, a fim de cumprir uma comissão de dois anos.

A Maçonaria dispunha, por essa época, de grande força no Ultramar. Através dela pude fazer relações de amizade e conviver com pessoas de grande autoridade, quer por suas qualidades intelectuais, quer pelas influências políticas de que dispunham. O alto-comissário, Norton de Matos, soubera rodear-se de uma equipa de invulgares dotes, quase todos maçons. A prosperidade de Angola, o seu desenvolvimento social e económico, deve-se, em grande parte, à Maçonaria, mau grado erros cometidos. Não demorou que eu, visitando portos, dialogando, interessando-me pelos problemas sociais, me apercebesse de ambições e necessidades das etnias que povoavam o território.

Como afirmei, apaixonei-me por Angola. Daí, se iniciar aquilo que posso classificar de campanha para não regressar a Portugal. Sentia-me mais útil lá, do que cá. No entanto, as notas do governador-geral, os requerimentos de funcionários superiores, pedindo que eu desembarcasse e transitasse para os serviços públicos, foram sistematicamente indeferidos pelo ministro da Marinha, sob o pretexto de que o sr. Pompílio da Cruz "faria falta ao serviço". Escrevi artigos em jornais, que levantaram celeuma, criticando ou aplaudindo. Convivi com as populações negras, sem preconceitos de racismo.

Nesse tempo (1934), Luanda não tinha água, nem luz, nem ruas asfaltadas. Brancos e negros, por estranho que o julguem os portugueses de 1976, não se dividiam em estéreis preconceitos de pigmentação da pele. Os habitantes das cidades, das vilas e das aldeias, raciocinavam, tão-somente, em termos de progresso, de bem-estar, de saúde, não olhando à cor de cada um. A Marinha de Guerra - é de justiça dizê-lo - teve papel preponderante na obra que se erguia. Ajudando quantos a ela recorriam. Em portos, em enseadas, onde quer que pudesse ir».

Pompílio da Cruz («Angola: Os Vivos e os Mortos»).


«A independência dos países norte-africanos só não constitui grave problema europeu, na medida em que seja possível assegurar a sua estreita colaboração com a Europa. Esta não pôde julgar-se segura nem efectivamente o esteve senão quando a extensa frente afro-mediterrânea se podia considerar, sob qualquer forma, amiga ou aliada. A Grécia, a Itália, a França e a Espanha, nós próprios não podemos ter inimigos ali. E se a actual crise levanta sérias dificuldades e penosíssimos atritos, ninguém entende que não sejam transitórios: solução definitiva, só pode ser a resultante da própria necessidade de conviver e de colaborar. Os interesses criados, as relações estabelecidas, as deficiências ou atrasos que haja ainda que vencer, as consequentes necessidades de apoio traçam uma linha de solução. Se outra vingasse é que se haviam perdido de vista os interesses dos povos e um vento de paixões malsãs impelia estes países para a aventura. É o problema de África que em parte se joga ali.

Não nos temos cansado de dizer que a África é complemento natural da Europa, necessário à sua vida, à sua defesa, à sua subsistência. Sem a África, a Rússia pode desde já ditar ao Ocidente os termos em que lhe permite viver.

Se os grandes aglomerados humanos estão criando uma espécie de consciência e solidariedade continental, como a americana ou a asiática, não parece fundamentada a ideia em germe ou mesmo em esboço duma África complementar da Ásia, negando-se essas mesmas possibilidades à Europa que a descobriu na maior parte, a desbravou, a povoa, a trabalha e lhe tem levado com sacrifícios de sangue e de fazenda a sua própria civilização. Mas, se é assim, não basta proclamá-lo; é necessário encarar os problemas decorrentes dessas realidades.

Um vento de revolta sopra em várias regiões de África, atiçado por potências conhecidas em obediência a conhecidos interesses e ambições. Esse vento parece justificar o anticolonialismo em moda, ao mesmo passo que dele se alimenta. A Europa sente-se responsável também, e por uma espécie de cobardia colectiva parece envergonhar-se da obra que ali tem realizado. No fundo, nesta época em que se apela de todas as bandas para a não discriminação racial, o movimento onde se manifesta é sobretudo rácico, de cor, em dimensões continentais, e ameaça erguer-se em globo contra a civilização do Ocidente que perdeu infelizmente a coragem de afirmar a sua superioridade.


O princípio da autodeterminação fundamenta e legitima a independência dos povos, quando o grau de homogeneidade, consciência e maturidade política lhes permite governar-se por si com benefício para a colectividade. Mas é indevidamente invocado quando não existe nem aproximadamente sequer a noção do interesse geral de um povo solidariamente ligado a determinado território. Em tal hipótese a autodeterminação levará ao caos ou à substituição de soberania efectiva mas nunca à independência e à liberdade. Fronteiras marcadas na carta por zonas de influência e ocupação, sem a noção das dependências económicas e com bastante desconhecimento das populações que aliás não usam fazer grande caso dessas demarcações políticas, têm servido sobretudo para delimitar tarefas e evitar conflitos, mas em muitos casos é bem difícil saber-se quando podem - se puderem um dia - definir o âmbito de uma nação. A desabusada ligeireza com que estes problemas são hoje encarados, de envolta com a vaga fraseologia das propagandas, a atiçar movimentos passionais e irresponsáveis, choca as inteligências reflectidas e só por isso arrisco estas palavras; porque em boa verdade também este problema nos não diz respeito a nós.

O ideal que inspirou os descobrimentos portugueses e depois a obra que se lhe seguiu foi o de espalhar a fé e comunicar aos povos os princípios da civilização. O móbil de integrar esses povos na unidade da Nação portuguesa foi possível realizá-lo pela não discriminação racial - exigência do nosso carácter e nervo da obra colectiva - pela larga tolerância usada e a criação do mesmo clima moral. Um nativo de Angola, embora com as limitações da sua incultura, sabe que é português e afirma-o tão conscientemente como um letrado de Goa saído de uma Universidade europeia. Quer dizer, em vez de uma política de domínio ou educação ainda que paternal mas toda conduzida no sentido de constituir uma sociedade independente e estranha, o português, por exigência do seu modo de ser, previsão política ou desígnio da Providência, experimentou juntar-se senão fundir-se com os povos descobertos, e formar com eles elementos integrantes da mesma unidade pátria. Assim nasceu uma Nação sem dúvida estranha, complexa e dispersa pelas sete partidas do mundo; mas quando olhos que sabem ver perscrutam todas essas fracções de nação, encontram nas consciências, nas instituições, nos hábitos de vida, no sentimento comum que ali é Portugal.

Daqui nos resulta no entanto uma dificuldade - fazer compreender, em face de outros casos originados em orientações muito diferentes, que, relativamente a Moçambique e Angola, por exemplo, não se põe mesmo a questão de saber se são ou não territórios autónomos, porque são mais do que isso - são independentes com a independência da Nação. Os diversos graus de autonomia administrativa e financeira em que vivem são filhos das necessidades que as distâncias criam e a grandeza dos territórios aconselha, mas não imprimem uma directriz, nem têm significado propriamente político. Nos meios internacionais onde estes problemas sejam catalogados segundo padrões muito diversos, eu nem quero pensar na estranheza com que se ouvirá que, por exemplo, Cabo Verde prefere ao seu Estatuto de província ultramarina, com larga autonomia, o Estatuto administrativo das ilhas adjacentes, de completa integração. Mas as coisas são assim e não de outra maneira».

Oliveira Salazar («Apontamento sobre a Situação Internacional», 1956).


«Dividido internamente e dividido pelo mundo em contactos étnicos díspares mostrou, no entanto, o português uma consciência unitária que soube em todas as circunstâncias manter, pelo sentimento patriótico e pela força dada oportunamente aos governantes.

(...) A várias raças como até a culturas diversas deve Portugal a manutenção daquela unidade. Mas na base está um povo para quem a terra muito significa, uma visão realista que não tolera o esbulho do que é património e custou sangue e trabalho. O último caso está na brava reacção dos colonos de Angola, avessos à intimidação pelas chacinas, mantendo-se agrupados no território, preferindo os cercos à fuga, numa atitude instintiva desprezadora de cálculos acerca do êxito dessas múltiplas resistências isoladas».

Francisco da Cunha Leão («Ensaio de Psicologia Portuguesa»).


«Há porém as outras grandes Províncias de África, dotadas, pela sua extensão, população e riquezas, de muito maiores possibilidades. Estas possibilidades não significam que estejam isentas de graves crises, que não seja o Estado a facultar-lhes os meios para o fomento ou que não tenha o Tesouro de acudir-lhes com fundos e empréstimos gratuitos para as equilibrar financeiramente. Mas porque a sua grandeza as torna especialmente cobiçadas, ocupamo-nos delas à parte e temos de fazer referência aos vários aspectos que mais possam interessar-nos hoje.

As diatribes lançadas de altas tribunas por pessoas responsáveis contra a obra colonizadora portuguesa, à parte o que se deve a atitudes emocionais e interesses inconfessados, assentam seguramente no desconhecimento do que sejam Angola e Moçambique. Algumas responsabilidades nos caberão no facto, a nós que, absorvidos no nosso trabalho, as não apresentamos devidamente ao mundo. A ignorância parece generalizada, tantos são os que falam como se elas se encontrassem como em quatrocentos, abandonadas à incapacidade de seus naturais.

Em contrapartida, as pessoas que as visitam sem preconceitos admiram-se da floração e beleza das cidades e das vilas, do progresso das explorações agrícolas, das realizações industriais, do ritmo da construção, dos característicos aspectos da vida social.

Não vou ocupar-me do estado económico e social das suas Províncias, mas estou a olhar para umas estatísticas oficiais estrangeiras, algumas da ONU, e respigo ao acaso algumas indicações. Ponho de lado a África do Sul onde nascem ouro e diamantes e onde a massa branca numerosa pôde dar aos territórios um desenvolvimento sem comparação no Continente. Mas vejo, por exemplo, o número de edifícios construídos nalguns territórios de África: Angola encontra-se largamente à cabeça da antiga África Ocidental Francesa, do Quénia, do Tanganica, de Uganda. O número de metros quadrados de área coberta construída por mil habitantes foi em Angola em 1959 de 76,8 contra 6,3 ou 51,3 ou 14,2 ou 17,8 nas outras regiões citadas.





Hotel Polana em Lourenço Marques (anos 1950).


O salão de jantar


Outra sala de refeições


Amália Rodrigues com a Orquestra Ritmo em Lourenço Marques (1951).




O Cine-Teatro Manuel Rodrigues em Lourenço Marques (anos 1950).




Rua Araújo em Lourenço Marques (anos 1890).




Rua Araújo em Lourenço Marques (anos 1960). Ver aqui




Largo Caldas Xavier na Beira (anos 1960).



Lourenço Marques (anos 1960).



O Fokker Friendship "Lourenço Marques" voando sobre os céus da Holanda, durante os testes de aceitação (anos 1960).



Av. Pinheiro Chagas de Lourenço Marques



















Ver aqui





















Em quilómetros de via férrea por mil quilómetros quadrados de superfície, Moçambique é igual ao Ghana e só é suplantado pela Serra Leoa, o Togo, o Daomé, todos de diminuta superfície; Angola, iguala o antigo Congo Belga e tem abaixo de si os Camarões, as antigas África Equatorial e África Ocidental Francesas e Madagáscar. Quanto a veículos (locomotivas, carruagens e vagões) Moçambique só é excedida pela Federação das Rodésias, pelo Ghana, pela África Oriental Britânica; Angola está em bom lugar quando por seu turno a comparamos com os outros territórios ao sul do Saará.

Relativamente a potência instalada e a energia produzida, por habitante, embora com representação honrosa, pois que em 57 superámos a Federação da Nigéria, estamos largamente ultrapassados pela Federação das Rodésias, pelo Congo ex-Belga e pelos Camarões ex-franceses; mas é de notar que tanto em Angola como em Moçambique as cifras duplicaram, pelo menos, de 1957 para cá e depois da conclusão de Cambambe os nossos números serão muito mais favoráveis ainda.

Nas costas ocidental e oriental de África, em qualidade de instalações fixas e apetrechamento, os grandes portos de Angola  - Luanda e Lobito - e de Moçambique - Lourenço Marques e Beira - ombreiam com os melhores daquele Continente. Em tráfego, de entre os portos de África do Sul do Saará, da Mauritânia pelo Cabo até ao Sudão, Lourenço Marques só é ultrapassado por Durban, e a Beira por estes dois e pelo Cabo.

Em questões de saúde somos os precursores em África das campanhas de acção sanitária e fomos de igual modo os precursores da assistência materno-infantil. Não vou cansar dando nota aliás impressionante dos nossos estabelecimentos hospitalares nas províncias de África, mas apresentarei alguns números fornecidos pela Organização Mundial da Saúde relativamente à lepra em vários territórios africanos: assim Moçambique, com 5.647.000 habitantes tem 80 mil gafos e em tratamento para cima de 60 mil; o Tanganica, para uma população de 8.800.000 habitantes, tem 100 mil gafos e em tratamento apenas 34 mil; Ghana tem em 4.200.000 habitantes 50 mil gafos e em tratamento 26 mil; o Quénia para uma população de 6.250.000 habitantes tem 25 mil gafos mas só 350 em tratamento; a Nigéria para uma população de 25 milhões de habitantes tem 540 mil gafos e em tratamento apenas metade ou seja precisamente 274.790, etc. Daqui se deduz que a percentagem dos doentes tratados é muito superior em Moçambique à dos territórios que indiquei.

E apesar de tudo não podemos considerar-nos satisfeitos. A vastidão dos territórios por si própria sugere empreendimentos sem conta e arrisca-se mesmo a fazer perder a muitos o sentido das proporções e das possibilidades materiais ou humanas para que se possam realizar, em curto prazo. Em todo o caso, em face do exame imparcial de muitos problemas, parece-me que dois ou três devem ser destacados e receber, em primeira prioridade, impulso mais decisivo para a sua solução. Refiro-me especialmente ao sistema de comunicações, à multiplicação de escolas primárias e técnicas, à maior divulgação de postos ou serviços sanitários.

As estradas devem considerar-se naqueles territórios o mais forte veículo do progresso. Podendo circular, os homens fazem por si muito do restante. Com a saúde teremos aumentado o bem-estar das gentes e a sua capacidade produtora. Os naturais mostram-se sedentos de instrução, porque nela vêem o meio de valorizar-se, de melhoria económica e mesmo de ascensão política. Há que matar-lhes a sede, sem esquecer equilibrar as escolas nos graus médios e superiores com o desenvolvimento económico geral, sob pena de criar-se perigosamente um proletariado intelectual, dado à agitação pelo desemprego e à política pela ambição. Se não fora ter-nos sido imposto o esforço de debelar o terrorismo, nós devíamos dedicar-nos àquele programa, como o de maior rendimento para as Províncias Ultramarinas. Nas actuais circunstâncias porém só com suprimentos externos o poderemos fazer.

Estas são coisas materiais que têm muita importância mas não deviam ser tomadas por decisivas, porque numa sociedade de homens o que acima de tudo importa é o tipo de relações humanas. A maneira de ser portuguesa, os princípios morais que presidiram aos descobrimentos e à colonização fizeram que em todo o território nacional seja desconhecida qualquer forma de discriminação e se hajam constituído sociedades plurirraciais, impregnadas do espírito de convivência amigável, e só por isso pacíficas. A integração política não derivaria de uma assimilação completa, mas sobretudo da confraternização estabelecida sem distinção de credos ou de cores, e da criação de uma consciência de nação e de pátria comum, naturalmente mais vasta que o pequeno horizonte em que os indivíduos e as suas tribos podiam mover-se.

Ora é facto indesmentível e de observação corrente a existência em Angola e Moçambique de uma comunidade de raças vivendo em perfeita harmonia e compreensão, sem mais diferenças na vida pública ou privada que as que nas outras sociedades são marcadas pela diversidade de níveis económicos e de aptidões pessoais. De muito longe compreendemos que, só nestas condições, o branco pouco numeroso em relação ao negro e ao mestiço, podia, excluída a sujeição violenta, exercer a acção que lhe competia, dirigir o trabalho da comunidade, criar trabalho pelos investimentos que não estão ao alcance da massa, elevar esta ao seu próprio nível de civilização.

Nestas circunstâncias parece inútil discutir se é possível uma sociedade plurirracial, pois que existe, e nada demonstra mais cabalmente a possibilidade do que ser. Mas serão de discutir as formas de coexistência? Teoricamente, sim, mas como se trata já de factos e de situações estabelecidas, a melhor luz a que pode examinar-se a questão é ver as consequências a que levaria a destruição daquelas.

Publicidade ao Hotel Central (Lourenço Marques, 1929).



Um dos maiores e o mais moderno hotel da África do Sul: o Polana Hotel (Lourenço Marques, 1929).



Teatro Gil Vicente (Lourenço Marques, 1929).



Teatro Varietá, propriedade de um colono italiano (Lourenço Marques, 1929).



A Praça 7 de Março - no centro da cidade - com os seus Kiosques da... "má-Língua" (Lourenço Marques, 1929).



A Rua Consiglieri Pedroso: o Chiado de Lourenço Marques (1929).



O Bairro comercial dos monhés. A Rua da Gávea e a Travessa da Palmeira (Lourenço Marques, 1929).



"A Mesquita dos monhés" (Lourenço Marques, 1929).



O Pagode Chinês (Lourenço Marques, 1929).



Palácio Maçónico (Lourenço Marques, 1929).



"A Missão Suíça" (Lourenço Marques, 1929).



"A Igreja Wesliana" (Lourenço Marques, 1929).



"A Igreja Paroquial" (Lourenço Marques, 1929).



"Os Rickshaws" (Lourenço Marques, 1929).



"Os Eléctricos da Cidade" (Lourenço Marques, 1929).



A Avenida Aguiar (Lourenço Marques, 1929).



Avenida 5 de Outubro (Lourenço Marques, 1929).



O Depósito de Máquinas dos C.F.L.M. (Lourenço Marques, 1929).



Placa giratória para inversão de máquinas dos C.F.L.M. (Lourenço Marques, 1929).



O grandioso edifício das Repartições do Caminho-de Ferro (Lourenço Marques, 1929).



Aspecto da "Gare" da Estação Central do C.F.L.M. (Lourenço Marques, 1929).



O Liceu Nacional 5 de Outubro e o seu Reitor (Lourenço Marques, 1929).



Os primeiros estudantes do Liceu de Lourenço Marques que usaram capa e batina (1929).



O Quartel-General da Colónia (Lourenço Marques, 1929).



"Metralhadoras ligeiras" (Lourenço Marques, 1929).


Os novos Estados africanos discriminam contra o branco, e isso o podem fazer nos territórios em que a obra colonizadora obedeceu a moldes diferentes e o branco, se trabalhava para viver, não estava instalado para ficar. Ora nós estamos precisamente no limite do racismo negro que vem estendendo-se até ao Zaire e que pelo Tanganica e pela Niassalândia atinge o Norte e Noroeste de Moçambique. Esse racismo negro tem-se revelado de tal modo violento e exclusivista que as sociedades mistas existentes ao sul se lhe não podem confiar. Pode-se, matando ou expulsando o branco, eliminar o problema, mas este não o pode resolver o racismo, se o branco, porque tem ao menos os mesmos títulos e goza de pelo menos igual legitimidade, pretende ficar naquela terra que é também a sua.

Pouco importa que alguns sorriam da nossa estrutura constitucional que admite províncias tão grandes como Estados e Estados tão pequenos como províncias, e se entretenham a pôr em dúvida soberanias, aliás indiscutíveis, ou a menosprezar civilização e cultura incontestavelmente superiores, ou a desconhecer necessidades de defesa ligadas a territórios sob a autoridade ocidental. O grande problema subsiste, resultante da instalação definitiva da população branca e do facto de se encontrar nas suas mãos quase exclusivamente a direcção do trabalho, o financiamento das empresas, a administração do bem público. Esta, sim, esta é uma questão que merece a atenção de estadistas e não duvido de que, se nela atentassem, não mais nos estorvariam de encaminhar um problema que, nos nossos territórios, só nós, pelos nossos métodos, somos capazes de resolver.

As fórmulas políticas, quaisquer que sejam, não podem desconhecer as circunstâncias de facto que aí ficam apontadas. Estamos em face de sociedades, em evolução forçosamente lenta, que eu creio há o maior interesse em salvar e fazer progredir. Elas apoiam-se moralmente no princípio da igualdade racial mas política e juridicamente não podem abstrair, para defesa própria e garantia de progresso, da diferença de méritos individuais. Para que estes princípios funcionem sem a indevida sujeição de grandes massas ao escol branco ou preto, é necessário que estejam garantidas a todos as mesmas possibilidades de acesso económico ou cultural. Ou a não discriminação está presente em toda a acção pública e privada, ou o edifício ruirá. Por outro lado sem se atingir um grau elevado de homogeneidade, fisiológica ou moral, das populações, a construção não poderá manter-se sem o apoio que há-de assegurar a genuinidade dos princípios e a vida da comunidade no equilíbrio que presidiu à sua própria formação.

Ouço às vezes falar de soluções políticas, diferentes da nossa solução constitucional e possivelmente inteligíveis em séculos vindouros. Não desperdicemos tempo a apreciá-las, porque o essencial agora é o presente e o presente é tão simples como isto: o que seria de Angola na actual crise, se Angola não fosse Portugal?

Isto vem a dizer que a estrutura actual da Nação portuguesa é apta a salvar de um irredentismo suicida as parcelas que a constituem e que outra qualquer as poria em risco de perder-se não só para nós mas para a civilização.

A estrutura constitucional não tem aliás nada que ver, como já uma vez notei, com as mais profundas reformas administrativas, no sentido de maiores autonomias ou descentralizações, nem com a organização e competência dos poderes locais, nem com a maior ou menor interferência dos indivíduos na constituição e funcionamento dos orgãos da Administração, nem com a participação de uns ou outros na formação dos orgãos de soberania, nem com as alterações profundas que tencionamos introduzir no regime do indigenato. Só tem que ver com a natureza e a solidez dos laços que fazem das várias parcelas o Todo nacional.

Abusei demasiado da vossa paciência mas vou terminar já.

Deve ter-se notado que me ocupei do que era essencial na atitude da ONU para connosco mas não do teor das suas deliberações. Achei que não valia a pena. Toda a gente terá reparado no que aquelas contêm de abusivo em relação aos termos expressos da Carta e falho de razão em relação aos factos e ao comportamento que perante eles deve ter um governo responsável.

A insistência em menosprezar o princípio fundamental da não intervenção nos assuntos internos dos Estados membros mereceu tais reparos e causa tais apreensões aos que ainda depositam alguma confiança no futuro da Organização que é de prever esta venha a alterar a sua conduta, no caso de desejar sobreviver.

O convite às autoridades portuguesas para cessarem imediatamente as medidas de repressão é uma atitude, digamos, teatral do Conselho de Segurança e que ele não tem a menor esperança de ver atendida, tão gravemente ofende os deveres de um Estado soberano. Desde os meados de Março não acharam nem o Conselho nem a Assembleia oportunidade para ordenar aos terroristas que cessassem os seus morticínios e depredações, e tantos dos seus membros o podiam ter feito com autoridade e eficácia. Mas quando intervém a autoridade cuja obrigação é garantir a vida, o trabalho e os bens de toda a população, essa obrigação ou primeiro dever do Estado não haverá de ser cumprido, porque é necessário que os terroristas continuem impunemente a sua missão de extermínio e de regresso à vida selvagem.


A consideração de que a situação em Angola é susceptível de se tornar uma ameaça para a paz e para a segurança internacionais, essa, sim, pode ter algum fundamento, mas só na medida em que alguns dos votantes se decidam a passar do auxílio político e financeiro que estão dando, para o auxílio directo com as suas próprias forças contra Portugal em Angola. Tudo começa a estar tão do avesso no mundo que os que agridem são beneméritos, os que se defendem são criminosos, e os Estados, cônscios dos seus deveres, que se limitam a assegurar a ordem nos seus territórios são incriminados pelos mesmos que estão na base da desordem que ali lavra. Não. Não levemos ao trágico estes excessos: a Assembleia das Nações Unidas funciona como multidão que é e portanto dentro daquelas leis psicológicas e daquele ambiente emocional a que estão sujeitas todas as multidões. Nestes termos é-me difícil prever se o seu comportamento se modificará para bem ou não agravará ainda para pior. Se porém virmos este sinal no céu de Nova Iorque, é meu convencimento que estão para breve catástrofes e o total descalabro da Instituição.

Muitas pessoas, em face dos votos contrários a Portugal e das abstenções, inferem do seu número um isolamento perigoso para o nosso país no convívio internacional. Espero que não nos intimidemos os que estamos seguros de ter razão e estamos convencidos de poder demonstrá-la. A vida internacional não é toda feita na ONU e os votos são mais o resultado de um processo competitivo que ali se estabeleceu do que a expressão de um juízo válido sobre questões internacionais ou ultramarinas. Verifica-se – é certo isso – em muitos países como que uma onda de pânico e de intimidação, correlativa da falta de fé nos princípios, que continuo a considerar válidos, da civilização ocidental. Agora quem parece ter razão são os Estados afro-asiáticos. Mas com um pouco de coragem da nossa parte, eles acabariam por compreender que há limites a não ultrapassar.

Embora sob a acção de uma intensa campanha de difamação internacional, muito bem dirigida pela Rússia comunista que aliás nos obsequiou declarando a sua posição, vemos que a mesma não conseguiu obscurecer muitas das melhores inteligências nem arrastar consigo a opinião dos países representados. Veja-se, por exemplo, como tem reagido o escol intelectual do Brasil, em face do ataque a Angola, a província africana que, por várias vicissitudes da história comum, quase considera como fazendo parte do seu património moral. Veja-se, por exemplo, se a Espanha que nesta crise nos tem acompanhado momento a momento com a vivacidade do seu temperamento e o fervor da sua afeição fraternal, veja-se se ela não compreende bem que o ataque a Portugal foi apenas o aproveitar de uma oportunidade e tanto podia ser contra nós como contra ela, ou será uma vez contra ela e outra contra nós. Até que os europeus compreendam, contra este sudoeste da Europa continuarão a desferir-se golpes sob todos os pretextos, porque é necessário fazê-lo ruir para cair tudo o mais.

Sejam quais forem as dificuldades que se nos deparem no nosso caminho e os sacrifícios que se nos imponham para vencê-las, não vejo outra atitude que não seja a decisão de continuar. Esta decisão é imperativo da consciência nacional que eu sinto em uníssono com os encarregados de defender lá longe pelas armas a terra da Pátria. Esta decisão é-nos imposta por todos quantos, brancos, pretos ou mestiços, mourejando, lutando, morrendo ou vendo espedaçar os seus, autenticam pelo seu mesmo martírio que Angola é terra de Portugal».

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a O.N.U.», 1961).


«Acentue-se que, antes de 1961, a imigração de portugueses da Métropole insuflara o incremento da agricultura, da indústria e do comércio. As zonas urbanas de Luanda e de outras cidades cresceram muito para além das previsões mais espectaculares. Sem exagero, um gigantismo quase assustado.

O terrorismo pouco fez paralisar - e menos ainda retroceder - essa febril actividade, de que nasceram as fábricas, aumentaram as áreas cultivadas, abriram lojas de perfeito cariz europeu. Dia a dia, mês a mês, a paz retomava os seus direitos. Voltou-se aos tempos antigos, de trabalho e lazer. Muitíssimo mais de trabalho, valha a verdade, pois cerca de setenta mil militares destacados para Angola implicavam esforços suplementares, que não eram regateados, ao invés, se aceitavam com alegria.

A celebrada frase de que se deveria erguer um "monumento ao terrorismo" teve o seu quê de realístico, face à atenção com que a Metrópole se viu obrigada a olhar o Ultramar. É justo, porém, reconhecer que, se o terrorismo, paradoxalmente, incrementou o progresso de Angola, também Portugal recolheu benefícios, porque, ao enviar tropas para África, houve que modificar e ampliar estruturas, que foram desde o vestuário, à alimentação e ao material de guerra.

Inevitavelmente, esquece-se o lado positivo do conflito, agora designado, em termos pejorativos, de "guerra colonial". Apontam-se-lhe atrasos na economia da Metrópole. Creio que, em termos de fria contabilidade, não se fizeram contas. Se assim tivesse acontecido, talvez o saldo fosse lucrativo para os portugueses da Europa.

De qualquer modo, a questão parece-me iníqua. Entre cidadãos da mesma Pátria que falavam uma só língua, que se abrigavam à sombra de uma única bandeira, que seguiam idênticos costumes, que respeitavam e se orgulhavam de tradições comuns, em suma, que formavam uma Nação, os prós e os contras não se podem computar nas colunas do "deve" e do "haver", como vulgar balanço comercial. O que estava em causa eram os sentimentos, era a integridade territorial do País.

Entretanto, doa a quem doer, a economia da colónia sustentou as necessidades da guerra e ainda sobraram divisas que aproveitaram à Metrópole.




Escuso-me a citar estatísticas, porque elas são como os fatos de banho: escondem o que mais interessa. E as estatísticas da Metrópole sempre pecaram por defeito. Nós, os angolanos, jamais compreendemos as motivações dos governantes para esconderem valores e números; até a densidade da etnia branca, fácil de balancear através dos elementos significativos fornecidos pelos centros urbanos».

Pompílio da Cruz («Angola: Os Vivos e os Mortos»).


«Em 6 de Junho de 1961, aquando da tomada de posse do novo governador-geral de Angola, General Venâncio Deslandes, o Ministro do Ultramar, o mais jovem e talentoso governante do elenco governativo com uma pasta extraordinariamente difícil e complexa, Dr. Adriano Moreira afirmou: "O que está realmente em causa é a definição de zonas de expansão das grandes potências". Já na altura, aquele político não tinha dúvidas do que realmente ocorria em Angola. Mas não só Adriano Moreira tinha esta visão da conjuntura mundial.

Em 14 de Junho de 1961 é empossado o novo secretário-geral da NATO, Dirk Stikker, tendo a oportunidade de afirmar na cerimónia de posse: "A luta contra a penetração e expansão comunista estende-se da Ásia à América Latina, passando por África. Nenhum país tem maior experiência do que Portugal em assuntos ultramarinos". Estava chegado o momento de pormos à prova a capacidade resultante dessa nossa maior experiência por terras africanas.

Até à altura da minha ida para Angola com o destacamento de P2V-5, toda a minha actividade profissional se concentrava na eficácia da acção na luta anti-submarina. Depois do que presenciei nos escassos dois meses de permanência naquele território e lembrando os horrores de que o ser humano é capaz, sem compreender bem porquê e para quê, ao serviço de que interesses e objectivos, interroguei-me sobre a oportunidade e pertinência do trabalho que estava a desenvolver naquela Base. Sem descurar as funções que me estavam atribuídas, iniciei um trabalho de pesquisa de modo a habilitar-me, não só a entender o que na realidade se passava mas, muito especialmente, a apreender as técnicas e tácticas para fazer face a um conflito daquele tipo que se designava por subversão e guerra de guerrilha. Chegara a determinadas conclusões e concordava em absoluto, quer com Adriano Moreira quer com Dirk Stikker e outros políticos cujos pareceres, sobre o mesmo tema, tive oportunidade de estudar.

Mas se algumas dúvidas ainda hoje subsistissem quanto a conclusões sobre os acontecimentos de Angola a que na altura cheguei, considerando os dois "jogadores" responsáveis pela violência naquela terra, basta relembrar o que Iko Carreira, ex-Alferes da Força Aérea Portuguesa e elemento de grande influência dentro do MPLA onde militou após a sua deserção, escreveu no livro de 1996, O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto, afirmando na p. 70: "Infelizmente, a luta de libertação do povo angolano era, quando Neto chegou a Léopoldeville, um objecto da Guerra Fria. O MPLA e a FNLA tinham-se transformado, talvez mesmo sem o saber, em organizações cuja actividade era controlada por cada uma das outras grandes potências militares da época. Das quais também se tornaram dependentes do ponto de vista material, servindo a respectiva propaganda. A FNLA estava ligada aos norte-americanos, enquanto o MPLA estava ligado à União Soviética".

É claro, é evidente que o que ocorria em Angola pouco tinha ver com os portugueses e a sua colonização e, muito menos, com os angolanos. Nesta fase inicial do conflito não podiam restar muitas dúvidas sobre as intenções da política do Presidente Kennedy: conquistar apoios e simpatias entre os países afro-asiáticos, intransigentes defensores da independência dos povos ainda colonizados, como expressaram na conferência de Bandung em 1955, e neutralizar, à partida qualquer tentativa de penetração comunista em Angola. Toda a pressão que exerceram sobre o Governo português, visando a aceitação do princípio da autodeterminação das Províncias Ultramarinas, tinha um objectivo muito mais radical e que culminava com a independência dos territórios como tinha acontecido no Congo. Nestas condições, o bastião anticomunista que acabaram por criar no ex-Congo Belga, seria substancialmente reforçado com a sua influência em Angola para onde acabariam por arranjar outro Mobutu, garantindo assim o controlo de toda a África Austral e o acesso a matérias-primas e materiais estratégicos de enorme valor, essenciais à manutenção e incrementação do seu potencial económico, militar e político. Esta estratégia garantir-lhes-ia o poder para mais facimente desempenharem o papel de árbitros no cenário mundial».

General Silva Cardoso («Angola, Anatomia de uma Tragédia»).


«Anticolonialismo! Não será anticolonialismo do mais puro o que está implícito em todo o comportamento do português em África, desde o aportar do primeiro barco até aos nossos dias de hoje?

Não explorámos, não dominámos, não negámos aos autóctones o direito à posse das suas terras nem ao uso dos seus costumes. Chegámos, convivemos e fizemo-nos também africanos, identificando os nossos sentimentos com os nativos a quem sempre nos igualámos em benefícios e obrigações.

Descolonização! Não foram os portugueses quem, mais cedo do que outrem, trouxeram a descolonização implícita no seu conceito de estar no Mundo?

E isto porque nunca se consideram como fazendo parte de uma maioria sociológica cristalizada e egoísta, sempre consentindo a maior mobilidade social e política aos autóctones, dentro do espaço pluricontinental da Comunidade Lusíada, a fim de que todas as diferenças e contradições se esbatessem e se conciliassem em vocações e interesses solidários.

E nem sequer importa discutir o tempo e o substrato político da descolonização assim entendida e praticada.

Não podemos considerar, do ponto de vista humano, completamente descolonizadas Cabo Verde, a Índia e Timor?

Não demos a independência ao Brasil e o Estatuto de estado à Índia Portuguesa?








Tudo não é novidade nem pode ser combatido ou considerado aberrante.

Novidade - para aqueles que com cega teimosia não nos compreendem - poderá ser o facto de termos criado uma só nação que, representando a consciência de destinos afins a realizarem-se na História, nem mesmo implica uma fórmula político-administrativa estática e uniformizada.

Fizemos o que outros não foram capazes de fazer e, por isso, podemo-nos considerar, com orgulho, dos mais progressistas e aptos para - a partir daquela realidade imutável - aceitarmos o binómio «desafio-resposta» a que já fizemos referência.

Ao "desafio" da autodeterminação estamos a responder com a afirmação peremptória de uma unidade que de forma alguma é incompatível com a mais ampla autonomia institucional dos territórios e com o mais aberto participar dos representantes válidos das populações nos orgãos do governo de cada um e de todos.

Ao "desafio" da desordem e do genocídio aí está a resposta dada pelos colonos e pelos autóctones nos primeiros dias do terrorismo desencadeado em Angola e que, por via disso e da actuação das nossas tropas, recuou em toda a linha.

Ao «desafio» da dialéctica anticolonialista e pan-africanista o nosso Presidente do Conselho e os seus mais directos colaboradores têm dado a resposta lúcida e adequada.

Mas o mais importante e o que avulta é o "desafio" do futuro: o "desafio" da evolução global e, por vezes, explosiva de todos e cada um dos territórios da Comunidade Portuguesa. Este exige "resposta" colectiva, expressa em capacidade de realizar, de imaginar e de predispor a alma para realçar, sempre e cada vez mais, a promoção, a justiça e o enquadramento de que o homem está ávido para se projectar integralmente e não se frustrar como indivíduo e como cidadão.

É com a consciência desse "desafio" que o técnico e o educador hão-de transpor as portas dos territórios que fazem constante apelo à sua presença.

O técnico para planificar e executar os programas de desenvolvimento económico - condição indispensável para o aproveitamento pleno dos recursos que o solo e o subsolo ainda escondem.

O educador para ministrar conhecimento e formar almas, radicando o portuguesismo nas crianças que passarem pelas suas mãos, ensinando-as a amar a Deus e ao próximo como a si mesmas - como Cristo amou os homens para salvar a Humanidade da corrupção. Este último será o atributo específico do missionário, ao qual o ultramar português já tanto deve.

Tarefa ingente e honrosa que os educadores devem realizar com dádiva total, com sacrifício se for necessário e com renúncia temporal, respondendo ao "desafio" com o vigor da sua vontade e da sua competência.

Mas, como Toynbee previne, "o crescimento surge com a resposta a um desafio, o que provoca novo e diferente desafio".

Pois saibamos, governantes, e governados, portugueses do Minho ou de Timor, dar, no porvir, com maior arrojo se for preciso, a "resposta" decorrente do "desafio" provocado pelo crescimento económico e social e pela maturidade política que hão-de resultar inevitavelmente do nosso esforço e trabalho presentes.

De dois perigos teremos de nos prevenir a tempo, com inteligência e com vigor: a formação de quadros que sejam desproporcionados à procura no mercado de trabalho, que, por seu turno, terá de ser consideravelmente aumentado pela criação de novas actividades produtivas e rentáveis; o excessivo regionalismo das elites, que deverão circular entre todas as parcelas da Comunidade Lusíada, em sistema rotativo de vasos comunicantes, a fim de se evitar uma contraproducente anquilose de mentalidade e de sentimentos».

Oliveira e Castro («A Nova África»).



«Ao que todos pudemos assistir a presente campanha foi na verdade triste e altamente preocupante: os problemas básicos da política internacional e ultramarina foram versados de modo a não servir, antes a prejudicar os interesses da Nação. A argumentação repetida foi a dos inimigos de Portugal; e não pode constituir honra para ninguém que as oposições sejam saudadas pelos que combatem contra Portugal aqui, na ONU ou no Ultramar. Conhecimento mais completo dos motivos da campanha movida contra o País nos meios internacionais e que conduziram e alimentam a guerra contra territórios portugueses, aconselharia as oposições a maior discrição e a não serem cá dentro o joguete de grandes interesses em causa. As oposições tiveram a maior dificuldade em sacar do imbróglio das suas concepções o reconhecimento da integridade da Nação como imperativo dos Portugueses, e do dever de a defender; mas os que não são cegos compreendem que, pelos caminhos entrevistos e mal definidos, não se chegaria a garanti-la efectivamente, como todos disseram desejar.

Entretanto a nossa gente bate-se e morre em Angola, como já se bateu e morreu noutras partes do território ultramarino. Bate-se e morre pelo Governo actual? Que ideia! Vai bater-se amanhã pela democracia? Que engano! Bate-se e bater-se-á com este ou outro Governo pela Nação que é uma realidade tangível, e que o povo sente bem na pureza do seu instinto patriótico e à margem da torcida filosofia dos doutores.

Diante de coisas tão sérias como sermos ou não sermos, cumprirmos ou não cumprirmos a nossa missão no Mundo, eu sou o primeiro a não estranhar que o Chefe de Estado não tenha entregue o Governo aos oradores da oposição.

(...) Temos pois de concluir que foi cometido grave erro por alguns condutores do povo e que tem de ser o mesmo povo, cerne da Nação, a corrigir agora tal erro no acto eleitoral. Ele tem de corroborar por votações maciças uma política de salvação nacional; ele tem de destruir a ideia que pudesse ficar deste debate de um país dividido que não conheceria o seu norte. O que se passou há-de entender-se apenas como a infelicidade de alguns pastores se haverem perdido nos caminhos da serra, sem terem conseguido extraviar o rebanho.

O povo português compreende a minha linguagem. Sabe que nada me interessa senão servir o melhor possível o interesse comum. E se eu lhe digo que a retaguarda é para ser defendida tal como a frente em África ou na Índia, é porque sei que isso é condição da vitória e esta tem de ser ganha por todos».

Oliveira Salazar («Apelo ao Povo», 9 de Novembro de 1961).


«Interrogam-se agora os espíritos sobre o destino de todo um continente, e René Dumont sintetizou este pensamento perguntando, no título de um livro, se L'Afrique noire est mal partie? Formular o problema equivale a enunciar as dificuldades, as frustrações e as ciladas que se acumulam nos caminhos do continente negro. São estes tão difíceis que Albert Meister, num volume de réplica, põe a questão de saber se L'Afrique peut-elle partir? Temos, nestes dois títulos, as coordenadas entre que podemos situar o continente africano. Trata-se de sublinhar que a África principiou ou partiu mal e de inquirir se aquela poderá mesmo principiar ou partir de todo. Não há que interpretar os termos em que o problema é equacionado como implicando uma incapacidade inata ou inerente ao homem africano. Pretende-se apenas significar que não parecem ter sido favoráveis as condições em que a África partiu à conquista do seu lugar no tablado internacional, que se pretendia autónomo, pelo que a alguns se tem afigurado duvidoso que, naquele condicionalismo, possa sequer partir.

Mas colocando assim o problema havemos logo de verificar que não coube à África a responsabilidade de definir as condições da sua partida: estas foram fixadas pelas potências condutoras da política mundial, e cujos motivos determinantes, em nada relacionados com a África, estão hoje bem esclarecidos. Já sabemos como o clima de guerra fria, a luta pelo poder, e a construção de novos impérios desempenharam um papel determinante. Mas há um outro aspecto que não tem sido sublinhado com o relevo merecido: o da visão que a Europa e o mundo livre se fazem de si próprios e o papel que, no quadro dessa visão, atribuem à África. Nesse quadro ressalta, antes de mais, este traço fundamental: a Europa e o mundo livre olham-se como um agregado humano altamente desenvolvido e industrializado, e sentem-se bem adiantados no caminho de se constituir em sociedade pletórica ou opulenta. Este facto alterou por completo a concepção dos interesses europeus na sua relacionação com África, e deu ao homem europeu um prisma novo para observar o mundo em redor. Nessa nova concepção permite-se uma margem muito escassa de risco, um desejo muito limitado de aventura para além das fronteiras do continente europeu, e uma recusa de responsabilidades que imponham sacrifícios. Terá de se observar que o crescimento económico e industrial da Europa parece coincidir com um entibiamento da vontade europeia. Pretende-se edificar uma Europa unida, e forte pela unidade; mas para o efeito praticam-se quase tantas políticas quantos os países europeus. Refeita da crise da guerra, saradas as chagas, robustecidas as forças, a Europa mergulhou em nova crise. Nem a construção do Mercado Comum, nem a da Associação do Comércio Livre, nem a estrutura da NATO, nem o Conselho de Estrasburgo trouxeram à Europa o que esta busca: a autonomia das suas decisões e das suas atitudes. Desta crise interessa agora, todavia, destacar um aspecto especial: a crise da consciência mundial da Europa. Dir-se-ia que a Europa se entregou a um isolacionismo, que era tradicional entre os anglo-saxónicos. Mas aquela crise teve sobretudo reflexos e consequências na política quanto à África. A Europa separou-se da sua visão tradicional do continente africano, e até do homem africano, e tendo feito tábua rasa de todo um passado adoptou ideias e princípios que não eram propriamente seus. Perante a sociedade agrária africana, os países europeus aceitaram as teses que os pólos de força mundiais ou os países altamente industrializados (em particular os Estados Unidos e a Inglaterra) haviam formulado como aplicáveis à África. A União Soviética lançou na África o ideal socialista. Sofregamente mas sem discernimento claro os países africanos proclamaram a adopção do socialismo, sem todavia ousarem rejeitar por completo, para efeitos meramente exteriores, alguns valores políticos ocidentais. Ao socialismo misturaram-se preocupações nacionalistas e, como se pretendia acima de tudo vincar a independência, multiplicaram-se as fórmulas consoante os países. Surgiu o socialismo africano; outros instituíram o socialismo positivo; houve Estados que se atribuíram um socialismo de massas; e no norte de África alguns países proclamaram o socialismo árabe. Tudo isto traduziu uma atitude política; mas a contribuição do socialismo para o progresso africano tem sido principalmente vocabular e de terminologia. É um mito. Mas está longe de ser o único ou mesmo o maior dos mitos.






Tanto os países socialistas como os países ocidentais têm derramado sobre a África toda uma mitologia que abrange e governa quase todos os aspectos da vida do continente. Tendo dado prioridade à política sobre a administração e a economia, sentiu-se depois necessidade de criar ilusões e alimentar esperanças como meio de governo e instrumento de pressão e influência política. Neste particular aparece-nos, em primeiro lugar, o mito do desenvolvimento rápido dos povos e países do terceiro mundo. Assenta na formação acelerada dos quadros e na ajuda financeira externa maciça. Mas a ajuda externa, por si mesma, não suscita nem promove o desenvolvimento, e já vimos como é interesseira e está na base do neocolonialismo; e a formação acelerada de quadros é inútil, mesmo que fosse viável, se partir de um desfazamento entre um escol muito limitado e a massa tribal sem camadas intermédias, como é o caso africano. [A ideia da formação acelerada de quadros está levando a consequências absurdas ou pitorescas. Pensando que todas as profissões são susceptíveis de aprendizagem acelerada, alguns jovens nos novos países, embora apenas possuam rudimentar instrução, deslocam-se à Europa ou aos Estados Unidos em busca de escolas onde possam matricular-se em cursos de Ministros, de Primeiros Ministros e de Presidentes da República]. Mas a par do mito do desenvolvimento célere, criou-se um outro: o do desenvolvimento democrático e liberal. Embora se saiba que não corresponde à realidade, e que não seria mesmo possível, sustenta-se que a economia, a administração e o desenvolvimento dos novos países africanos se podem processar em termos de demo-liberalismo ocidental. Trata-se de uma clamorosa distorção dos factos: a vida colectiva nos novos países africanos está subordinada ao despotismo mais ou menos legalizado, firmado num só partido de massas. Por outro lado, a propaganda conduzida em África tem instilado no espírito dos responsáveis e até de alguns elementos menos tribalizados a convicção de que a independência, a força nacional, o respeito internacional, estão ligados e são função de um certo número de símbolos sem os quais o país não existe com dignidade. Temos, em primeiro lugar, o mito da industrialização. Mas esta é impraticável sem uma administração eficiente e não corrupta. Nada disto possuem os novos países africanos; as grandes potências não o ignoram; e por isso, quando encorajam qualquer país africano a industrializar-se velozmente e em larga escala, sabem que estão a conduzir esse país a uma ruína inevitável ou pelo menos à estagnação e a tornar-lhe cada vez mais difícil e lento qualquer pequeno desenvolvimento real. [Quando se empresta dinheiro e se fornece assistência técnica, por hipótese, ao Gabão ou à Tanzânia para montar uma fábrica de televisores, por exemplo, parte-se do princípio de que se cumprem estas condições: a) há um mercado interno para consumir televisores; b) a produção de televisores aumenta a riqueza nacional; c) os televisores fabricados estão em condições de competir nos mercados internacionais com os manufacturados pelas grandes potências. Ora nada disto é assim, e as grandes potências sabem-no perfeitamente. Quer isto dizer que o Gabão ou a Tanzânia têm de pagar às grandes potências as máquinas que compraram para instalar a fábrica, têm de liquidar os salários dos técnicos, e têm de reembolsar os empréstimos (e os respectivos juros) para o lançamento financeiro da empresa - e não fabricarão televisores. Ou, se os vierem a fabricar, fá-lo-ão para venda nos mercados internacionais apenas, recolhendo as grandes potências o lucro e limitando-se o Estado local a permitir que a sua mão-de-obra fosse explorada e paga a um preço muito inferior ao da mão-de-obra das potências desenvolvidas]. Depara-se-nos depois o mito da reforma agrária. Encontramos esta no programa de todos os jovens governos revolucionários, e o facto é havido como sintoma de progresso, de ousadia administrativa, de afirmação do desejo de justiça social. Na realidade, todavia, estamos perante simples demagogia. Não escasseia a terra nos países africanos; e o problema consiste antes na escassez de população. De resto, a reforma agrária praticada nos novos estados tem propósitos políticos ou sociais, e não é efectuada tendo em vista um melhor aproveitamento e a máxima utilização da terra; e por isso, do ponto de vista da produtividade e do aumento da riqueza nacional, são inúteis as reformas agrárias dos novos países do continente africano. Mas se nos dirigirmos agora para o campo da cultura encontraremos um outro mito poderoso: o mito das universidades e educação superior. Muitas vezes escasseiam ou não existem escolas primárias, nem escolas de ensino rural ou técnico, nem escolas de artesanato; mas isso não obsta a que se construa um imponente conjunto de edifícios, com o apetrechamento pedagógico inerente, e a que se lhes chame universidade. Sabe-se que uma universidade demora gerações a formar, e sintetiza o resultado de uma longa tradição, representa uma cultura, simboliza o centro mental e intelectual de uma nação. As universidades da África negra, há que reconhecê-lo, são caricaturas de escolas superiores; e no quadro do plano de desenvolvimento dos países respectivos desempenham um papel não só inútil como pernicioso e até perigoso. São dispendiosas, e não contribuem para criar um cêntimo de riqueza. Poderá haver um fácil orgulho em produzir quantidades de médicos ou de engenheiros, e daí suscitar-se uma falsa sensação de que o país progride e de que os problemas nacionais se podem resolver. Ora os médicos e os engenheiros produzidos são-no no nome e no diploma, e não na competência; mas os problemas humanos ou técnicos, que têm de enfrentar, não diminuíram de complexidade ou de dificuldade por aquele facto. Por isso, à medida que o tempo decorre e se multiplicam os técnicos e os profissionais de formação acelerada, agrava-se a situação dos países africanos. [Constitui exemplo típico o de uma província de um país africano cuja mortalidade dos respectivos habitantes aumentou verticalmente depois de terem para ali sido enviados dois médicos acabados de formar aceleradamente na nova Universidade]. Como quer que seja, é em torno destes mitos que se debate a realidade africana. O mundo livre e o mundo socialista impulsionam esses mitos sem reparar, ou preferindo não reparar, que uma tal orientação está destruindo a África, e o primeiro não se dá conta de que está negando esta à Europa e aos próprios africanos. [Uma lista muito completa dos mitos de que sofrem os países subdesenvolvidos, e que pode ser aplicada à África, encontra-se em William e Paul Paddock, Hungry Nations, 1964]. Em confronto com esta África traída, a realidade portuguesa deveria brilhar como um centro nervoso de progresso real e de uma promoção genuína do homem africano nos planos político e social. Mas admiti-lo, por parte da ONU ou de algumas das potências, seria confessar a falência da sua política ou desvendar o carácter equívoco desta. Em vez de se dizer que a África partiu mal, ou de se perguntar se poderá partir de todo, seria talvez mais justo e exacto perguntar se se quer a partida da África».

Franco Nogueira («Terceiro Mundo»).



Clube de Pesca em Lourenço Marques (anos 1960).



Clube de Pesca nos anos 1970


«Todos aqueles que tiveram o privilégio de contactar com as populações de África, de toda a África, têm as suas histórias do contacto com estas gentes e todas elas são marcos, são indicadores positivos do relacionamento humano entre portugueses e povos de outras raças e culturas. Recentemente, numa conversa de amigos, o Embaixador Neto Valério mencionou que, depois do primeiro posto da sua carreira em Dar-es-Salam, foi colocado como Cônsul na então Salisbúria (Harare) da Rodésia, hoje Zimbabwe. Ao chegar ao seu novo posto, arrendou uma casa dum casal inglês que partia para Inglaterra e que recomendou o criado que durante cerca de dez anos tinha estado com eles, merecendo toda a confiança. Ao perguntar o nome do criado ao inglês, este, extraordinariamente surpreendido, chamou o boy para lhe pedir que dissesse como se chamava. Depois de dez anos de serviço!

O mesmo embaixador referiu ainda um outro caso, este passado em Moçambique, onde tinha ido visitar o pai e o irmão. Fazia-se acompanhar de um casal francês e, um certo dia, quis deslocar-se a uma fazenda no interior, tendo saído os quatro já um pouco tarde, seguindo as instruções que lhes tinham sido dadas para chegarem à tal fazenda. Entretanto caiu a noite e depararam com um cruzamento da picada por onde seguiam e que não constava das instruções. Face ao dilema de prosseguir para a esquerda ou para a direita, decidiu o Embaixador buzinar prolongadamente para chamar alguém que desfizesse a ambiguidade em que se encontravam. Esta atitude pôs o casal francês em perfeito estado de pânico, porquanto, em seu pensar, se estava a alertar os nativos da área, pondo em elevado risco a sua integridade física. Pouco depois, surgiram inúmeros nativos que lhes deram as indicações de que necessitavam para chegarem ao seu destino.

Mas se estes testemunhos não bastassem para qualificar a atitude do português perante outros povos, concretamente o africano, no respeito constante pelos princípios culturais e sociológicos dos meios nos quais se procurava integrar, será interessante lembrar o depoimento de pensadores que o Professor Fernando Neves, da Universidade de Paris VIII (Vincennes), apresenta no seu livro As Colónias Portuguesas e o Seu Futuro publicado em 1974 mas escrito antes do 25 de Abril.

Neste livro cita-se o que o sociólogo brasileiro, Gilberto Freyre, afirma no que se refere a integração: "Assim se teria iniciado desde o século XV um novo tipo de civilização, para o qual se sugere a caracterização de civilização luso-tropical, dado o seu carácter singularmente simbiótico de união do europeu com o trópico - união que em nenhum outro europeu chegou a ser assim intensa e simbiótica em suas constâncias em diferentes áreas tropicais... Ao lado desse novo tipo de civilização, vir-se-ia desenvolvendo um novo tipo de conhecimento ou saber dos trópicos pelo europeu, para o qual se sugere a lusotropicologia".

E Freyre acrescenta ainda: "Essa integração não há evidências de ter sido alcançada nas mesmas circunstâncias nem por Ingleses, nem por Franceses, nem por Holandeses, Alemães e Dinamarqueses, nem sequer por Italianos, nos seus contactos mais demorados e sistemáticos com populações e culturas tropicais: só por Portugueses..."

Ainda sobre o mesmo tema do integracionismo, o Doutor João Pereira Neto, referido no mesmo livro, emitiu o seguinte parecer: "Ao contrário da quase totalidade dos povos ocidentais que, em maior ou menor grau, falharam em tal contacto, os portugueses talvez devido à ancestral experiência gerada pelos contactos que, ao longo dos séculos, se processaram na Península Ibérica, não só respeitaram os povos com que contactaram assim como os seus costumes, mas tiveram também o bom senso de fomentar a fixação nessas regiões de elementos metropolitanos.

Da observância desses três princípios surgiu a obra imorredoira que no decurso dos últimos quatro séculos ligou indelevelmente Portugal à História da Humanidade - a formação do Brasil, país que, por seu lado, constitui a melhor prova da capacidade dos Portugueses para criarem, nos trópicos, sociedades multirraciais".

Sobre o mesmo tema se pronunciou o Professor Adriano Moreira nos seguintes termos: "A nossa acção assimiladora não se exerceu de maneira violenta, antes, pelo contrário, procurámos adaptar-nos aos ambientes naturais e sociais respeitando os estilos de vida tradicionais. Por outro lado, íamos, pelo exemplo e convívio, despertando nas populações indígenas o respeito por certos princípios da nossa civilização ocidental...

A nossa expansão e acção, mesmo quando muitas vezes acompanhadas de faltas e erros graves, inevitáveis em tais circunstâncias, nada têm que ver com a colonização utilitária realizada posteriormente".



Gilberto Freyre no deserto da Namíbia (1952).



Muitos outros testemunhos poderiam aqui ser evocados parra mostrar como foi diferente a colonização dos portugueses em África e, podemos acrescentar, no mundo, perante a quase totalidade dos restantes países europeus. Como dizia o poeta africano Geraldo Bessa Victor: "Portugal não praticou nos seus domínios ultramarinos, uma política de discriminação, utilizada pela Inglaterra, nem uma política de mera assimilação, como fez a França, mas uma profunda política de integração dos povos africanos na nacionalidade portuguesa. Mas, ao operar-se a integração, dá-se uma verdadeira simbiose dos valores lusitanos com os valores africanos. Não é apenas o negro africano que se integra na alma lusíada, passando a ser a todos os títulos um homem português, sem deixar de ser intrinsecamente africano: é também o branco português que, através da vida no mato, adere aos sentimentos e pensamentos do homem negro da África e às realidades materiais e espirituais da terra, estudando-os, compreendendo-os, amando-os"».

General Silva Cardoso («Angola, Anatomia de uma Tragédia»).


«Roma, 29 de Junho [de 1963] - Jantar na embaixada do Brasil. Fico à direita do Presidente João Goulart. Não encontrei conversa que valesse com um homem que é chefe do Estado do Brasil. Primarismo das ideias, ignorância de pasmar quanto a coisas elementares, vocabulário tosco, conceitos demagógicos e infantis - e tudo isto envolto na inconsciência e na irresponsabilidade. Disse-me assim: "nós somos anticolonialistas, Portugal é colonialista, e o Brasil é contra, e pronto". E pronto: que se responde a isto? Como se argumenta neste caso? Estava também o novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Evandro Lins: pareceu-me mais sereno, mais composto: mas compenetrado da sua alta importância: e imensamente reservado».

Franco Nogueira («Um Político Confessa-se. Diário: 1960-1968»).





O EXEMPLO


1. NOTA INTRODUTÓRIA


(...) não nos faltaram pretextos para enaltecer a política ultramarina portuguesa considerando-a sempre como o exemplo a seguir por quem pretenda realizar em África, com honestidade, uma obra que a salve para si mesma e para a civilização - civilização entendida, segundo Spencer, como «o progresso alcançado a partir de uma homogeneidade indefinida e incoerente até uma definida e coerente heterogeneidade (13).

Não parece impertinência, porém, voltar ao tema mais detidamente para divulgar as bases daquela política dos pontos de vista humano e social; institucional e administrativo; educacional e sanitário; económico e político.

Ver-nos-emos forçados a descer, por vezes, ao pormenor e a fazer algumas repetições porque continuamos a verificar, com tristeza, um incrível desconhecimento dos fundamentos e das circunstâncias determinantes de uma política com séculos de provas e de resultados.

É que se normalizam, com evidente parcialidade, os métodos de análise, em obediência a uma grave e generalizada táctica de pré-intencionalidade dos comentários. Isto provoca, sem dúvida, uma deformada pré-modelação da opinião pública, que fica, assim, inibida de raciocinar com isenção, em virtude de carecer da totalidade dos elementos de apreciação e ser alheia ao enquadramento sociológico das causas, das motivações e dos efeitos.

Aqui fica um contributo, modesto embora, para se evitar tão perigoso fenómeno.


2. O HUMANO E O SOCIAL


Os portugueses em África, como na América, na Ásia e na Oceânia, agiram sempre em concordância com o princípio da democracia racial e social. Desse modo, jamais os critérios de raça ou outros se revelaram factores discriminatórios e o ordenamento conseguido teve por base uma justa hierarquia das capacidades e das aptidões dentro dos cânones invariáveis da igualdade perante a Lei.

Nasceu, assim, o processo de integração, identificado com a perfeita harmonia dos diversos grupos e culturas, no âmbito de bem definidas comunidades multirraciais e pluriculturais, paritárias e igualitárias, onde a heterogeneidade dos seus componentes não é causa divisória mas motivo de enriquecimento e de energia criadora.

A dinâmica do método produziu, por seu turno, um espaço ecologicamente coeso pelo denominador comum de uma língua, de um sentir religioso e de uma consciência colectiva, que constitui zona inconfundível com outras áreas onde imperam ou o irredentismo branco ou o irredentismo negro, ambos anti-humanos e anti-sociais.

Daí a promoção irreversível da solidariedade vital e da simbiose moral das etnias, que sociólogos eminentes têm classificado como verdadeiramente individualizadas, em especial pelo seu conteúdo evangelizador, na História da Colonização.









Na impossibilidade de nos referirmos a todos, destacamos Gilberto Freyre e Aujoulat. Diz o primeiro: «[...] agente de ocidentalização nos trópicos e da sua cristianização tem sido o português, de tal maneira que, em certos espaços tropicais, cristão e até branco quer dizer português e falar cristão quer dizer falar português» (14). Opina, por seu turno, o segundo: «À l'origine de l'expansion portugaise se trouve une préocupation de christianisme et un sens de catholicité. Évangelisation et colonisation seront ainsi liées et pratiquement confondues: il en est resté chez le Portugais une foi absolute dans le fondement apostolique de leurs entreprises» (15).

Actuamos, portanto, em conformidade com os ensinamentos tradicionais da Igreja - não deformados nem politizados em nome de interesses inconfessáveis - conducentes, «[...] ao livre e justo desenvolvimento dos povos pelas vias pacíficas da fraternidade humana, permitindo-lhes, assim, aceder mais facilmente, sempre que por sua vontade o queiram, ao conhecimento de Cristo, que, acreditamo-lo, constitui a verdadeira salvação para todos os homens e pode, de uma maneira original e maravilhosa, assumir as suas profundas aspirações» (16).


 3. O INSTITUCIONAL E O ADMINISTRATIVO


Não sendo o comportamento português estático no aspecto humano, também o não poderia ser nos âmbitos institucional e administrativo. E, do mesmo modo, esse progresso tem obedecido, por um lado, às características peculiares de cada território e, por outro, à unidade determinada pelos denominadores comuns já enunciados.

A prática resume-se na especialidade das leis, na autonomia financeira, na crescente descentralização administrativa e na simultânea e ascendente representatividade das populações nos orgãos consultivos e legislativos do Governo Central.

Assim, e para não remontar mais atrás, desde 1914 que as províncias ultramarinas, nomeadamente Angola e Moçambique, passaram a gozar de «autonomia limitada»; em 1933 o sistema tendeu para o que se pode designar por «autonomia temperada», significando maior grau deliberativo quanto às questões locais; e na penúltima revisão constitucional não só os Conselhos Legislativos passaram a ter pronunciada maioria electiva, mas também se alargou o âmbito da sua competência. O regime evoluiu com a promulgação, em 1962, de um importante diploma que criou as municipalidades, votadas por sufrágio directo, onde existiam 500 ou mais eleitores, e, em 1963, da Lei n.º 2119 (Lei Orgânica do Ultramar Português). Esta acentuou o princípio tradicional da descentralização administrativa, atribuindo maiores poderes executivos aos Governadores; criou as Juntas de Freguesia nas sedes dos distritos e os Conselhos Económico-Sociais nas capitais de província; ampliou a percentagem electiva e os atributos dos Conselhos Legislativos e assegurou a presença do Ultramar na Câmara Corporativa e no Conselho Ultramarino. Foram alterados, depois, os Estatutos Político-Administrativos de cada província, para os adaptar aos novos condicionalismos, e aumentou-se, de modo substancial, o número de autoridades locais eleitas.

Foi, igualmente, publicado, além de outra legislação corrente, o novo Estatuto do Funcionalismo Ultramarino e espera-se a breve e indispensável promulgação da Reforma Orgânica do Ministério do Ultramar - tão carecido de se actualizar e de se desburocratizar, transferindo muitas das suas actuais funções para os Serviços locais e incorporando outras nos Serviços Nacionais competentes.

Tudo tem sido coerente com a ideia de que a progressiva institucionalização dos territórios ultramarinos deve ser o resultado directo do seu grau de desenvolvimento económico e do nível de maturidade das populações, a fim de a presença destas na gerência dos negócios individuais e colectivos se poder fazer por forma responsável e consciente. E isto em contraste com a grande percentagem das restantes regiões da África, onde a «crise de descolonização» que as afecta é, sem dúvida, consequência do desajuste da estrutura sociológica às condições e exigências de sólidos corpos políticos, porque a autonomia concedida significou, apenas, na maior parte dos casos, uma transferência formal de competências administrativas.

No relatório da já referida trigésima terceira Sessão de Estudos do INCIDI o facto vem assim denunciado:

«Le simple fait de l'indépendance ne put par lui-même réaliser tous les espoirs car le changement apporté par les nouveaux gouvernments se limita à une modification formelle: la substitution d'un pouvoir à un autre, sans transformation des structures ni du système des valeurs hérités du régime colonial. Par conséquent, on constate certain affaiblissement du soutien très général accordé à l'origine au nouveau régime, soutien qui réalisait la synthèse entre tous les particularismes ethniques, régionaux et religieux. Or, la première aspiration des masses était une décolonisation totale et rapide. De cette decéption est née quelque fois une certaine désaffection à l'égard des autorités nationales nouvelles et une apathie presque complète» (17).

Recolhemos, também, o testemunho do africanista francês Gilbert Comte: «[...] En 1960, sans doute, la plupart de ces territoires furent érigés en Republiques indépendantes. Mais aucune ne possède encore l'unité ethnique, linguistique ou térritoriale nécessaire à la formation d'une état national. Pour prendre une forme moderne, la révolte des peuples noires se réclame du nationalisme sans nation. Les élites indigènes connaissent parfaitement cette contradiction intime que aggrave dramatiquement la certitude de leur faiblesse» (18).

Invocamos, finalmente, o juízo do socialista Jean Ziégler: «deux millions d'africains se sont libérés de la domination colonial? C'est vrai, mais rien n'a changé. Les Africains étaient misérables sous la colonisation, ils sont misérables sous l'indépendance. Une révolution n'ést jamais plus qu'un trouble passager dans la circulation des élites, et la Révolution africaine ne signifie rien d'autre que la substitution d'une élite blanche par une élite noire ou brune, l'immense des Africains restant ce qu'ils étaient depuis toujours: affligés de maladies, exploités, faméliques et sans espoir» (19).








Baixa de Lourenço Marques (anos 1950).



Avenida da República de Lourenço Marques (anos 1960).



Lourenço Marques (anos 1970).




1970



Para evitar os referidos fenómenos, a política ultramarina portuguesa visa, antes de tudo, o equilíbrio entre a estrutura formal (institucional e administrativa) e a estrutura real da sociedade; e como esta progride de modo contínuo, por força da própria dinâmica interpenetrante dos diversos grupos e da sua constante aculturação, aquela nunca pode ser considerada definitiva e tem, por força, de dispor de vitalidade suficiente para se adaptar, embora sem acelerações contraproducentes, a todas as salutares tendências evolutivas.


4. O EDUCATIVO E O SANITÁRIO


O movimento das estruturas formais e reais da sociedade implica, necessariamente, assinalável esforço nos campos de educação e da saúde.

Portugal faz, por isso, grandes investimentos nesses sectores, considerados básicos e imprescindíveis na política de integração e de progresso institucional... Assim, as percentagens médias de tais investimentos atingiram, só em Angola, em 1964, 12% das despesas globais dos seus orçamentos privativos e 15% das verbas atribuídas pela Metrópole a todas as províncias, a coberto do Plano Intercalar de Fomento para o triénio de 1965-1967.

É que o ensino e a assistência sanitária impulsionaram a dinâmica das diversas etnias, ao visarem, por um lado, o maior grau de escolaridade e, por outro lado, a medicina preventiva, entendida no saneamento do meio ambiente e na melhoria do regime alimentar. E esta tem êxito proporcionado à profundidade do ensino, susceptível de provocar, em consequência, a reconversão dos costumes e o predomínio de hábitos mais consentâneos com a defesa do corpo, a salvaguarda das energias vitais e o prolongamento da vida.

O ensino é, por isso, fundamentalmente um ensino de adaptação e a assistência sanitária tem na infância o seu principal campo de trabalho; este é o motivo porque o recrutamento das elites pressupõe a existência de um escol, formado e seleccionado a partir de uma «massa populacional instruída», e as missões profilácticas, as maternidades e os lactários gozam, por norma, de prioridade sobre os hospitais. E isto em virtude de a sua necessidade se fazer sentir menos quando se consiga diminuir a percentagem dos utentes, através da erradicação das endemias e do combate intensivo às debilidades físicas e morais.

Os resultados, muitas vezes desproporcionados aos meios disponíveis, estão patentes a quem os queira ver sem preconceitos e com ânimo prediposto a não deformar a verdade, embora haja ainda problemas a resolver e se verifiquem, não raro, desajustamentos e sobreposições inconvenientes.

Mas, apesar das deficiências, o confronto com os restantes países africanos é-nos favorável, como o Ministro Franco Nogueira destacou nas seguintes palavras pronunciadas perante o Conselho de Segurança da O.N.U.: «Alega-se que são escassas as instalações educacionais. É certo que não as consideramos suficientes ou perfeitas. Mas são melhores, infinitamente melhores, do que na maioria dos territórios africanos, desde as escolas primárias até às universidades. E a inscrição de alunos é, proporcionalmente à população, a mais elevada na África ao sul do Sáara, com excepção da Nigéria. Alega-se que não há serviços de saúde. É falso. Podem não estar à altura desejada, mas há nos territórios ultramarinos portugueses um médico por cada 13 000 pessoas, o que contrasta muito favoravelmente com um médico por 20 000 nos Camarões, por 19 000 na Tanzânia, por 25 000 no Gana, por 15 000 no Uganda, por 44 000 no Sudão, por 41 000 na Nigéria, por 66 000 na Serra Leoa e por 15 000 na Etiópia» (20).


5. O ECONÓMICO


Na citada reunião do Instituto Internacional de Civilizações Diferentes abordaram-se, entre outros, os problemas económicos dos diversos países africanos e fizeram-se as seguintes recomendações:

a) dar prioridade à infra-estrutura das comunicações, ao conhecimento específico dos recursos naturais e à formação profissional;

b) assegurar o financiamento necessário à formação de capitais e criar uma gama cada vez maior de actividades económicas, devendo tomar o lugar destacado a industrialização;

c) dar prioridade ao investimento do sector público e permitir, também, o afluxo de capitais privados, nacionais e estrangeiros;

d) promover o acréscimo do produto nacional bruto na percentagem mínima de 5% (21).


Escola inaugurada em 1969 em São Tomé e Príncipe



Liceu Salazar em Lourenço Marques (1970).







Propôs-se, ainda, o funcionamento de organismos competentes para acompanhar e controlar localmente a tarefa executiva dos respectivos planos, nos quais deveria ser integrada a política preconizada em matéria de promoção social (ensino, saúde e habitação).

Relendo os objectivos definidos pelo Governo português, em forma de «directrizes gerais para a elaboração do plano de investimentos referente aos anos de 1965/67» e relembrando as últimas medidas adoptadas, verificamos prosseguir a política económica, relativamente ao Ultramar, no rumo das mais actualizadas e progressivas, mesmo para além da linha das recomendações acima mencionadas.

Na realidade, as metas consubstanciam-se na aceleração de acréscimo do produto (entre 8 e 10%) e na repartição mais equilibrada do rendimento, tendo como condições fundamentais a estabilidade financeira, interna e externa, o equilíbrio regional do desenvolvimento e o equilíbrio do mercado de trabalho.

A escala de prioridades foi, por seu turno, assim estabelecida:

a) preferência pelos investimentos e empreendimentos de maior e mais rápida reprodutividade;

b) preferência pelas actividades de produção de bens de equipamento, destinados à exportação ou à substituição de bens importados;

c) escolha das infra-estruturas que mais directamente contribuem para o aperfeiçoamento do potencial produtivo da população;

d) promoção de estudos e trabalhos tendentes ao melhor conhecimento científico do território;

e) intensificação de equipamentos de carácter social, visando principalmente a formação acelerada de quadros;

f) estabelecimento de uma orgânica administrativa eficaz, nos diversos escalões, para preparar e acompanhar a execução dos planos de desenvolvimento e assegurar a coordenação necessária.

E logo o Estado se dispôs a investir catorze milhões e quatrocentos mil contos, assim distribuídos:




Paralelamente foram criadas, na Metrópole e em cada província, as Comissões de Planeamento e Integração Económica; prosseguiu o rumo da livre circulação de mercadorias, pessoas e bens definida no Decreto n.º 44 016, de 8 de Novembro de 1961; e o capital privado continuou a afluir e a aplicar-se em empreendimentos reprodutivos, tendo sido concedidos, só no ano de 1964, 936 alvarás para a instalação em Angola e em Moçambique de igual número de novas indústrias (extractivas e transformadoras), envolvendo o investimento de 448 415 mil contos e a criação de cerca de 9000 postos de trabalho.

Pode-se concluir, assim, que, também do ponto de vista económico, se trabalha no sentido de acelerar o ritmo de desenvolvimento dos territórios ultramarinos, na certeza de o mesmo representar o impulso fundamental de futuros, decisivos e consistentes surtos institucionais e políticos.


6. O POLÍTICO

6.0 No plano interno


No plano interno, a tarefa seguida não podia deixar de ser outra que garantir as condições susceptíveis de não paralisar e de levar às últimas consequências a integração étnica, a evolução institucional e administrativa, o progresso social e o desenvolvimento económico dos territórios.

A primeira exigência é respeitar a vontade de manter intacta a unidade da Nação - quiçá compatível, no futuro, com uma possível pluralidade estadual -, tal como o tempo a modelou e como implica a sua projecção nos orgãos locais e centrais de governo. Tudo se deverá fazer, portanto, para salvaguardar uma situação «de facto» e «de jure», aceite e consolidada, tácita e explicitamente, em anos de confiança mútua e que não é fruto nem de um regime nem do capricho de um homem, mas obra de gerações contínuas e de antigos compromissos.

Quando se pergunta, assim, com certo ar de ingenuidade, «o que é a unidade nacional», desconhece-se, ou quer-se desconhecer, ser, acima de tudo, um sentimento e um produto da História; e tal como não se pode impor pela força uma nacionalidade, também se não pode disputá-la nas urnas ou sujeitá-la às motivações de quaisquer grupos que não olhem a meios para alcançar o monopólio do Poder. E isto porque a unidade nacional vive-se, serve-se, manifesta-se de baixo para cima e é a resultante de um comportamento constante, implícito na fidelidade diária dos povos aos instrumentos, objectivos e subjectivos, que a exprimam.

A segunda condição é assegurar a ordem e não permitir que o trabalho pacífico, a tranquilidade, o funcionamento normal da máquina administrativa e o aperfeiçoamento e a personalização progressivos das instituições políticas sejam perturbados por quaisquer factores de ruptura ou de retrocesso. Por isso, a intervenção militar só não se dispensa a fim de impedir o alastramento e o efeito diluente de actos terroristas, promovidos por minorias marginais, radicadas no exterior e em tudo alheias ao querer e aos interesses da maioria. Mas esse meio deixará de ser utilizado logo que tais minorias se convençam da impossibilidade de, por via da guerra desencadeada por si, conseguirem o que pretendem.



Desfile militar em Lourenço Marques
















E o certo é não serem capazes de conquistar adeptos sem intimidar - até por causa da impopularidade resultante de terem trucidado, de modo selvático, um número bastante elevado dos seus irmãos - revelando a falta de um ideário aglutinador e a ilegitimidade para representar quem os não constituiu procuradores. Só lhes tem restado, por isso, o caminho de se degladiarem e repelirem entre si e de pretenderem impor pela força e pela pressão internacional o «trágico extremismo radicalmente antiportuguês».

(...) A solução incompatível com o «esquema simplista dos extremismos» terá de ser encontrada e determinada, por isso, pelos que, apesar das insídias e das ameaças alheias, nunca renunciaram nem estão dispostos a renunciar à sua própria personalidade e à sua irreversível condição de portugueses.

A terceira e última exigência é realizar a equidade e canalizar para o bem comum - conjunto de condições necessárias e suficientes que permitam aos indivíduos cumprir os seus fins colectivos - todas as energias e todos os valores disponíveis; e isto para que, em qualquer momento, se possa dar satisfação à própria política multirracial prosseguida, na certeza, como disse Salazar, de que «uma sociedade multirracial não é uma construção jurídica ou regime convencional de minorias mas, acima de tudo, uma forma de vida e um estado de alma» (22).


6.1 No plano externo

6.1.0 Perante a O.N.U.


A postura de Portugal em face das Nações Unidas tem sido definida pelo Presidente do Conselho e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, designadamente no seu livro As Nações Unidas e Portugal, publicado em 1962. Seria, por isso, desnecessário abordar agora um assunto que mais nada de original comporta se não houvesse, ainda, muita gente equivocada e confundida.

É que pôde ler-se, há pouco, em um escrito publicado na íntegra na imprensa portuguesa e divulgado no estrangeiro, o seguinte: «ao votar a um sistemático desprezo, que a todo o custo se procura insuflar na mentalidade da população, a Organização das Nações Unidas, procura-se identificá-la com um poder maléfico que tentasse arrastar para o caos a opinião mundial; cumpre-nos lembrar que essa atitude resulta fundamentalmente da preocupação de diminuir o alcance das condenações que vimos sofrendo nesse Organismo, além de constituir desprezo pelas outras nações, característico de um nacionalismo condenável e condenado» (23).

Ora, nem se pretende votar a «um sistemático desprezo» uma organização onde fomos admitidos e nos mantemos por livre alvedrio, nem a atitude assumida resulta de um «nacionalismo condenável e condenado». Esse comportamento visa somente salvaguardar os legítimos direitos do Estado soberano que constituimos.

E quando assim procedemos e estigmatizamos, ao mesmo tempo, as arbitrariedades e a incapacidade até agora reveladas pela O.N.U., no sentido de estabelecer o equilíbrio real e o respeito mútuo entre os Estados - condição indispensável da sua apregoada política de paz - não estamos sós; temos por companhia, entre outros, o General De Gaulle e o Embaixador Manuel Aznar, representante da Espanha no chamado «Palácio de Vidro», que, ainda não há muito, declarou: «Hemos atravesado e estamos atravesando, en efecto, una crisis de confianza de las Naciones Unidas em sí mesmas. Esta Asamblea tiene, por el momento, cierto aire de una reunión de inválidos. Los mecanismos esenciales de nuestros debates han dejado de funcionar, como los miembros de un paralítico. En rigor jurídico, podríamos decir que se hallan suspendidas algunas disposiciones importantes de la Carta. Sabemos que es, afortunadamente, transitorio este episodio de parálisis. Pero, entre tanto, las leyes de la democracia parlamentaria, proclamadas como alma y vida de la Asamblea, no se aplicam; diríase que se han sentido atacadas de impotencia. No es, ciertamente, la primera vez que se produce un conflicto de esta naturaleza dentro de las posibilidades de una democracia rigurosamente parlamentaria y las vitales exigencias políticas, o sociales, o económicas del mundo em que vivimos. Los dos derechos sustanciales que la Carta y el Reglamento nos otorgan son el de discusión y el de voto; por el momento ni discutimos ni votamos, sencillamente hablamos» (24).

Mas, além daquelas e de similares declarações oficiais não faltam as críticas de sociólogos e internacionalistas eminentes como, por exemplo, Georg Schwarzenberger, autor de um estudo sobre a «Política do Poder», no qual se acentua que «o valor das Nações Unidas não se pode julgar pelo raciocínio abstracto sobre os seus objectivos, propósitos e princípios, havendo que submetê-los à prova não só dos meios postos à sua disposição para realizar os seus propósitos mas também do uso que, de facto, deles faça, iludindo-se quem imagine depender dela a paz mundial, quando é a Organização que depende da paz entre as grandes potências» (25).

E em especial, o propósito do art. 73 da Carta - causa cêntrica do diferendo jurídico existente com Portugal - diz, por forma inequívoca: «As possibilidades propagandísticas do art. 73 foram exuberantemente exploradas pela União Soviética e bloco anticolonialista do Médio Oriente e dos Estados asiáticos e africanos. Na realidade, as potências ultramarinas só estão obrigadas a submeter às Nações Unidas os dados sobre as condições técnicas e não sobre as políticas, económicas, sociais e educativas. E, numa linguagem muitas vezes repetida, o art. 73 dispõe que esses dados devem transmitir-se simplesmente para fins informativos» (26).

Poyton, por sua vez, actuando como representante britânico no quarto «Comité» da segunda Assembleia Geral, asseverou: «Podemos interpretar a Carta de acordo com a letra e com o espírito, mas todas as nações membros da Organização devem seguir as mesmas regras. Não devemos atender ao espírito para os Estados responsáveis (em territórios não autónomos) e à letra para os que carecem dessa responsabilidade» (27).



Vasco Garin e Franco Nogueira na ONU




E a respeito da divisão artificial entre territórios contemplados ou não pelo capítulo XI da Carta, o mesmo Poyton, depois de classificar o fenómeno como o «mito da água salgada», dizia: «Quero afirmar com isto que enquanto a expansão de um país por terra e a incorporação de áreas de territórios habitados por outras raças e povos são praticamente passivas de crítica, a extensão da jurisdição própria por mar é estigmatizada, em alguns sectores, como imperialismo colonialista, opressão de raças submetidas e assim sucessivamente» (28).

O critério de Portugal foi sempre o de denunciar, de igual modo, o referido mito e de argumentar com o carácter voluntário de umas e com a inaplicabilidade de outras disposições do capítulo XI da Carta (arts. 73 e 74) aos seus territórios; e isto porque, embora separados pela «água salgada», não podem ser considerados colónias e não autónomos, pelo contexto sociológico e pelo ordenamento institucional existentes. E quando a Organização pretende pôr em dúvida aquele contexto e este ordenamento - que nunca quis verificar «in loco» -, invocamos, para o caso das informações, a alínea e) do art. 73 («[...] sob reserva das exigências de segurança e de considerações de ordem constitucional») e, para o caso da salvaguarda constitucional, o art. 2. da Carta, que estabelece: «Nenhuma disposição da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado, ou obrigará os membros a submeter tais assuntos ao foro da Organização».

Argumentamos, ainda, com a resolução n.º 1541 da Assembleia Geral (15 de Dezembro de 1960), que diz haver, para se classificarem os territórios coloniais, além da separação geográfica e da diferenciação étnica, outros elementos de natureza administrativa, política, jurídica, económica ou histórica e com a resolução n.º 1514 (de 14 de Dezembro de 1960), onde se pode ler que «toda a tentativa que vise a destruição parcial ou total da unidade nacional e da integridade territorial de um país é incompatível com os objectos e os princípios da Carta da O.N.U.» (29).

Mas, nem a Assembleia nem o Conselho de Segurança se têm destacado pela preocupação de respeitar o Direito contido na Carta e nas suas próprias resoluções, revelando «uma frequente indiferença pelos aspectos legais dos problemas», como assinalou o informador do sexto «Comité», Dr. Kaeckembeeck, no relatório da II sessão da Assembleia Geral. Sendo assim, interpretam ou aplicam normas segundo as conveniências, só resolvendo equitativamente os conflitos verificados em áreas vitais para os blocos que comandam a política internacional; quando esta condição falta, toda a agressão se legitima e o Organismo apresenta um típico comportamento de impotência colectiva, disfarçado por torrentes inócuas de palavras, rios de votações e montanhas de papéis. O caso de Goa é disso exemplo flagrante.

Não nos resta, portanto, outra alternativa senão a de, sem qualquer ódio desprezível, não claudicar perante a ilegalidade e o arbítrio.


 6.1.1 Perante os países africanos


Na «Declaração sobre Política Ultramarina», já citada, Salazar definiu deste modo a posição de Portugal em face dos Estados africanos:

- «a mais estreita e amigável colaboração se a julgarem útil;

- «a maior correcção, se se dispensar a nossa colaboração;

- «a defesa dos territórios que constituem Portugal até ao limite dos nossos recursos se entenderem dever converter as suas ameaças em actos de guerra» (30).

Estas alternativas mantêm-se; são suas maiores beneficiárias as regiões confinadas com as nossas fronteiras, pois a estabilidade existente dentro delas constitui factor positivo em uma África em permanente ebulição.

A postura portuguesa, verdadeiramente anti-subversiva e neutral, perante os blocos que pretendem implantar o neocolonialismo no continente representa, também, garantia inestimável de segurança, em especial para os países utentes dos portos e dos caminhos de ferro de Angola e de Moçambique, por onde recebem e escoam os produtos das suas importações e exportações.

E como, por nosso lado, não estamos empenhados em aumentar as áreas de conflito e em diminuir as potencialidades de vida e de subsistência desses países - cuja felicidade somos os primeiros a desejar - não nos move qualquer ressentimento ou reserva para prestar uma colaboração cada vez mais necessária pelo desinteresse e pela experiência que comporta.

Sendo assim, só será útil aos mais extremistas países africanos vencer os seus complexos relativamente a Portugal e abdicar da sua hostilidade, por não ser racional nem conduzir a nada.

Tais complexos têm, sem dúvida, origem em um passado colonial que deixou, em algumas regiões, marca de ódio do negro ao branco. Daí o hipertrofiamento e a impertinente generalização desse «estado de alma», incompatível com o reconhecimento imediato da possibilidade de coexistência racial nos territórios portugueses, sem qualquer traço de alienamento cultural, étnico ou social.

Mas essas zonas de coexistência sociológica hão-de acabar por exercer forte atractivo sobre a África racista, impotente para se estender, incapaz de exprimir de modo válido os seus próprios méritos, frustrada nos seus ideais de auto-suficiência e cada vez mais desiludida de constituir nas Nações Unidas uma maioria, incapaz, no plano prático, de fazer valer os seus desejos e de lutar contra a superioridade moral, técnica, económica e financeira da minoria ocidental, que, inevitavelmente, comanda os acontecimentos e dita as soluções.

"Forças de manutenção da Paz" das Nações Unidas no Congo (Janeiro de 1963). Ver aqui







Ver aqui e aqui


A «mística das Nações Unidas» terá de ser, assim, superada, bem como o errado convencimento de que a expulsão do branco - só por o ser - significa a liberdade apetecida e o reencontro da África com ela própria. Gilbert Comte já denunciou a inconsciência do raciocínio, afirmando: «L'experiénce du Congo Belge montre que le départ du Maître Blanc ne règle pas tout. L'Angola, actuellement, comme le Congo hier, ne possédait d'unité qu'en fonction de la presénce européenne» (31).


NOTA FINAL


De quanto se escreveu poderá concluir-se tender a nossa política ultramarina, antes de mais, para a criação das indispensáveis condições de base para os povos consciencializarem e realizarem voluntariamente o seu destino sem hipertrofiar os seus próprios valores e sem serem obrigados a renegar nem a origem nem o portuguesismo que os individualiza e solidariza nas suas fronteiras geopolíticas.

Descolonizar para os portugueses é e foi sempre igualar, aculturar, responsabilizar e promover; por isso, o seu conceito de autodeterminação impõe a participação livre e activa das populações nesse processo dinâmico de prospectiva institucional, onde as exigências de progresso e de tipicismo regional têm de se respeitar em todos os momentos e em todas as circunstâncias.

Mas não se pode deixar de entender que o tempo dessa salutar descolonização é humano e não físico e depende, de modo fundamental, do grau de desequilíbrio social e cultural de início existente entre o agente colonizador e o elemento colonizado; não só disso mas também, e em grande parte, da capacidade de reacção e de receptividade do mesmo elemento colonizado - tanto menor quanto maior for o seu índice demográfico e quanto mais incipiente for a sua orgânica e a sua vida de relação.

É que a experiência demonstra realizar-se a integração do progresso a um ritmo mais lento do que o próprio progresso. Técnicas novas enriquecem o património humano sem serem, porém, imediatamente assimiladas e rentáveis. E, embora sejam elementos motores da realidade psicossociológica, só gradativamente marcam as etapas de uma verdadeira transformação dos comportamentos e dos mecanismos.

Explica-se, assim, que a mobilidade extrema do mundo moderno e a aceleração forçada da História, igualadas ao desnível dos períodos de mutação, originem a dúvida e a inquietude da época actual.

Deve-se procurar, por isso, conciliar sempre a obra de transformação material com o ciclo de formação do homem, dando prioridade ao programa sociológico sobre o problema político.

Isto implica que o fundo anteceda a forma; e parece não haver mais sensata perspectiva para, em comunidades de lenta rotatividade, se evitarem os traumatismos criados pela importação de estruturas novas por gentes ainda submetidas, em grande parte, aos ritmos e aos conceitos da sua própria civilização ancestral e costumeira.

De tudo deriva que não podemos estagnar, ao mesmo tempo que não devemos deixar a evolução subjugar e dominar o homem, porque deve ser este a comandá-la e a construir o amanhã, a partir de hoje, sem renunciar nunca ao ontem que o individualizou e lhe emprestou a verdadeira razão de existir.

Ainda ninguém demonstrou ser errado o rumo escolhido, e, por isso, temos de prosseguir e ser cada vez mais coerentes com os princípios que encontram a sua maior força nos resultados de orientações diversas, como o drama actual do «Terceiro Mundo» comprova (op. cit., pp. 89-111).



Notas:

(13) H. Spencer - First Principles, capítulo XVI, p. 138.

(14) Gilberto Freyre - O Luso e o Trópico, p. 71.

(15) L. P. Aujoulat, Ibidem, p. 500.

(16) PAULO VI - Discurso proferido em 18-X-64 por ocasião da canonização de 22 mártires do Uganda.

(17) INCIDI - Les Constitutions et Institutions Administratives des États Noveaux, p. 844.

(18) Gilbert Comte - Problèmes de Psycho-Politique Africaine, revista Afrique Contemporaine, n.º 20, pp. 20-21.

(19) Jean Ziégler - Sociologie de la Nouvelle Afrique, p. 15.

(20) Diário de Notícias, n.º 35 808, de 9-X-65.

(21) INCIDI - Ibidem, p. 751.

(22) Oliveira Salazar - Declaração sobre Política Ultramarina, p. 8.


(23) Diário de Notícias de 4-XI-65.

(24) Revista Ultramar, n.º 19, pp. 148 e 149.

(25) Georg Schwarzenberger - La Política del Poder, pp. 393 e 627.

(26) Georg Schwarzenberger, Ibidem, p. 597.

(27) Ibidem, p. 599.

(28) Ibidem, p. 599.

(29) Oliveira Salazar - Ibidem, p. 17.

(30) Oliveira Salazar - Ibidem, p. 21.

(31) Gilbert Comte - Ibidem, p. 22.


Nenhum comentário:

Postar um comentário