sábado, 11 de novembro de 2017

Philosophie et vie angélique

Escrito por M.-M. Davy





Cristo no Sepulchre guardado Em anjos, por William Blake.







«É com razão que estes seres imortais e bem-aventurados, estabelecidos nas moradas celestes, se regozijam por participarem do seu Criador, de cuja eternidade recebem a sua estabilidade, de cuja verdade recebem a certeza, de cujo favor recebem a santidade. E porque nos amam com amor misericordioso, a nós mortais e infelizes, para que sejamos felizes e imortais, não querem que lhes votemos a eles os nossos sacrifícios mas Àquele de quem eles próprios, como bem sabem, são connosco o sacrifício. Realmente, com eles formamos a única Cidade de Deus a que se refere o Salmo:

De ti se disseram as coisas mais gloriosas, ó Cidade de Deus [Gloriosissima dicta sunt de te, Civitas Dei. Salmo LXXXVI, 3].

E uma parte dela, que somos nós, peregrina; e a outra parte, que são eles, presta auxílio. É dessa Cidade Suprema onde a vontade de Deus é a lei inteligível e imutável, é dessa como que Cúria do Alto (efectivamente é lá que se cuida de nós) que nos vem, pelo ministério dos anjos esta Escritura onde se lê:

Será exterminado aquele que sacrificar aos deuses em vez de somente ao Senhor [Sacrificans diis eradicabur, nisi Domino soli. Êx., XXII, 20].

Esta Escritura, esta lei, preceitos como este, foram confirmados por tão grandes milagres que não é possível pôr em dúvida a quem querem aqueles espíritos imortais e bem-aventurados (que querem para nós o que eles são) que nós ofereçamos sacrifícios».

Santo Agostinho («A Cidade de Deus», Vol. II).


«Na admirável Ética a Nicómaco, que é essencialmente um tratado dessas virtudes sobrenaturalizantes [as cardeais e teologais], enuncia Aristóteles o sempre difícil problema de conferir à liberdade humana a perfeição pela passagem da potência ao acto, pela realização das mais nobres acções. Numa página que ficou célebre pelo entusiasmo e pela eloquência, dá-nos o filósofo um exemplo admirável do que seja um raciocínio completo e perfeito. Vamos transcrevê-lo do capítulo 7 do livro X, na certeza de que em tão expressivo encómio da filosofia vibrará talvez um pensamento perene, elevado e digno de persuadir o leitor.

"Se entre as acções virtuosas", escreve Aristóteles, "as que o homem pratica na vida civil e na vida militar prevalecem sobre todas as outras pelo heroísmo, pela beleza e pela magnanimidade, certo é que dependem por sua vez de valores mais desejados, e por isso não constituem propriamente virtudes. Falta-lhes, aliás, a paz de alma, indispensável à verdadeira felicidade.

A actividade da inteligência apresenta, pelo contrário, esta particularidade distintiva mas importante: é especulativa, e não está subordinada a outro fim; é acompanhada de uma alegria bem sua e perfeita, que lhe dá maior vigor; basta-se a si própria num lazer sem fadiga, pelo menos tanto quanto é possível ao homem, e parece reunir todas as condições da felicidade. A actividade pura da inteligência constituiria a perfeita felicidade do homem, se pudesse preencher a duração total da vida, já que nada de incompleto pode constituir a felicidade. Uma vida tal seria demasiado bela para ser uma vida humana! Se ao homem é por momentos dado viver assim, tal não acontece por virtude da sua condição de homem, mas porque há dentro dele algo divino; e tanto quanto esta faculdade difere do composto humano, tanto a sua actividade difere das outras virtudes. Se a inteligência é, portanto, divina em relação ao homem, a vida inteligente é também divina, em comparação com a vida humana. Diremos, por consequência, que ao homem não basta, como muitos preceituam, ter pensamentos humanos, nem aos mortais pensamentos mortais; tanto quanto nos seja possível, cumpre-nos sermos imortais, esforçando-nos por viver segundo o que, para a nossa vida, considerarmos melhor; este melhor tem certamente pouco lugar na nossa vida, mas pelo seu poder e pela sua dignidade está sem dúvida acima de tudo!"».

Álvaro Ribeiro («Estudos Gerais»).




«SE SOMOS IMORTAIS, temos de sê-lo em essência e não por acidente. A imortalidade é então a nossa verdadeira condição e o plano de realidade no qual efetivamente existimos. Nesse caso, a presente vida corporal não é senão uma fração diminuta da nossa realidade, uma aparência momentânea que encobre a nossa verdadeira substância. Em consequência, todo o conhecimento que podemos adquirir dentro dos limites da existência corporal é apenas uma aparência dentro de uma aparência. Ainda que apreenda porções genuínas da realidade, não pode ter em si o seu próprio fundamento, mas tem de buscá-lo na esfera da imortalidade.

Tudo isso é bem claro. O que confunde as coisas é que o termos "imortalidade", na presente cultura, adquiriu a conotação de algo que só se manifesta - se existe - depois da morte física. Esconde-se aí uma sugestão inteiramente absurda: somos mortais em vida, mas "tornamo-nos" imortais após a morte, como se a morte fosse a passagem a um estado de existência radicalmente separado, heterogêneo e incomunicável com a vida presente. É nesse pressuposto que repousa toda a esperança de um conhecimento puramente imanente, sem referências ao "além". Se a imortalidade existe, essa esperança é tão absurda quanto o pressuposto que a sustenta. Se temos uma vida que transcende toda a duração, essa vida transcende, e portanto abrange, em vez de excluir, a sua fatia imersa em duração. Se somos imortais, temos de sê-lo agora, desde a vida presente, em vez de sermos, por assim dizer, imortalizados pela morte. A morte não pode imortalizar o mortal: só pode tornar manifesta a imortalidade preexistente e impugnar, no mesmo acto, a ilusão da mortalidade.

Mas, se já somos imortais nesta vida, é claro que não podemos conhecer adequadamente esta última senão à luz da imortalidade: o conhecimento mortal da vida mortal é o conhecimento ilusório de uma ilusão.

O esclarecimento da imortalidade torna-se assim uma exigência primeira do método filosófico: ou demonstramos que a imortalidade não existe ou, caso a aceitemos ao menos como hipótese, temos de fundar nela toda a possibilidade de um conhecimento efetivo da realidade.

Demonstrar que a imortalidade existe pode ser difícil, mas provar que ela não existe é impossível: todas as provas estariam limitadas ao acessível na vida presente, em nada debilitando a possibilidade de que haja algo para além dela. Já as provas da imortalidade nada perdem com essa limitação, de vez que a vida presente está dentro da vida imortal e o que se sabe de uma pode revelar algo da outra.

As provas, no entanto, de nada servem se, uma vez obtidas, não modificam em nada o hábito reflexo de raciocionar a partir da vida presente como se esta fosse um todo fechado e auto-suficiente - hábito que tanto pode fundar-se na negação quanto na afirmação da imortalidade.

A própria busca de provas cientificamente válidas, obrigantes, portanto, para toda a comunidade dos estudiosos, já tende a fazer da existência presente a medida da vida imortal, já que, na escala desta última, a autoridade humana da comunidade científica não conta para absolutamente nada.






De um lado, a prova científica da imortalidade não dá a ninguém por si, uma consciência de imortalidade pessoal e muito menos a força para operar a passagem de nível desde uma cognição baseada na experiência temporal a outra fundada no senso da imortalidade.

De outro lado, quem quer que tenha operado essa passagem não precisa de provas científicas daquilo que lhe foi dado em experiência pessoal direta. Pode usar essas provas como meios pedagógicos para estimular os outros a buscar experiência idêntica, ou para tapar a boca de adversários da imortalidade, mas esses dois objetivos são menores e secundários em comparação com a experiência em si.

A expressão "experiência da imortalidade" é, decerto, metonímica. Designa o objeto da experiência por uma de suas partes, subentendendo que esta requer incontornavelmente a existência do todo. Deve-se falar de experiência de cognição extracorpórea, ou mais propriamente supracorpórea, estando aí implícito que, se a consciência opera fora e acima do corpo, não tem por que morrer quando ele morre.

Essas experiências não são necessariamente "paranormais". Qualquer um pode ter acesso a elas, contanto que se prepare para isso mediante uma série adequada de meditações. Em geral não se trata de perceber objetos à distância, ou futuros, mas de tomar consciência daquilo que, na percepção comum e corrente, já é supracorpóreo embora não seja percebido habitualmente como tal. Tão logo você assuma consciência dos elementos supracorpóreos que perpassam e fundamentam a percepção corporal, sua noção de "eu" vai modificar-se automaticamente. Quando digo "assumir consciência" quero dizer que há aí algo mais que um simples ato de percepção isolado ou mesmo repetido. "Assumir consciência" é algo mais que "tomar consciência": implica um ato de responsabilidade intelectual e moral pelo qual você se compromete intimamente a não permitir que a porta aberta para a consciência de extracorporeidade se feche e o conteúdo aí assimilado se dilua no fluxo de impressões corporais até ser esquecido ou ao menos perder toda força estruturante sobre a sua vivência de "eu"».

Olavo de Carvalho («A Filosofia e seu Inverso»).


«A palavra divina, ou teologia, foi estudada pelos filósofos orientais; mas os filósofos mediterrâneos, que mais racionalistas se mostraram reduzindo todos os princípios da razão aos princípios da dialéctica, não deixaram de falar e escrever em relação às tradições teológicas. O princípio escolástico, tal como Santo Anselmo o concebeu na relação convergente do Proslogium com o Monologium, não é um processo de reacção obscurantista contra o iluminismo da razão, mas, pelo contrário, um princípio libertador da inteligência humana. Não tem, consequentemente, significação pejorativa ou depreciativa, mas, pelo contrário, significação muito honrosa, o falar-se do escolasticismo de qualquer pensador.

Nem todos os homens são filósofos, porque a filosofia tem por objecto de estudo as relações do mundo sobrenatural com o mundo natural. Saber se entre um e outro existe separação, confusão ou distinção, saber se um actua sobre o outro por emanação, criação ou conservação, tal é o saber mais amado e mais procurado pelos estudantes. Filosofia escolástica de livre especulação para fiéis e infiéis, nem sempre foi considerada ortodoxa pela filosofia eclesiástica.

A filosofia moderna opõe-se à filosofia escolástica de todos os tempos, à filosofia perene, afirmando que tudo é natural, que não há sobrenatural, ou, noutra linguagem, que tudo é Terra, que não há Céu. Tal afirma porque a ciência moderna, verificando que a mesma mecânica, a mesma química e a mesma física são aplicáveis a todo o mundo sensível, desde a geologia à astronomia, julgou anular a distinção entre Terra e Céu. A filosofia moderna, em vez de admitir a relação do natural com o sobrenatural, constitui ao lado da física a metafísica, completa a ciência real pela ciência virtual, por mera transposição idealista dos princípios lógicos.

A distinção entre Terra e Céu permanece porém inalterável como o sinal da cruz, e permanece porque não significa separação de lugares diferentemente qualificáveis no espaço, como em algumas escolas se ensinou, mas distinção entre Matéria e Espírito. Território pode todavia significar Estado. O Céu tem a significação figurada de lugar das realidades espirituais, porque assim o exige a representação itinerante da vida da alma humana, mas uma psicologia subtilíssima poderá determinar mais puro significado da palavra Céu».

Álvaro Ribeiro («A Arte de Filosofar»).




«Todo o progresso da filosofia e da religião solidárias, todo o desenvolvimento do sentido iniciático, se orientam, pois, na via inelutavelmente aberta para atribuir ao verdadeiramente sábio e ao autenticamente justo a única responsabilidade do erro e da injustiça. E tal como o verdadeiramente santo não luta contra o mal, mas o assume em si para redimi-lo, pois só com o mais fundo sentido do bem é o mal possível, assim também o verdadeiramente sábio, ultrapassada a ilusão do juízo e da crítica, não luta contra o erro mas o assume em seu verídico pensamento, único capaz de errar.

Pela compreensão, finalmente, decidindo já para o decidir último, se confirma a possibilidade actual e infinita não só de aceitarmos todo o outro no amor, na crença e no discurso do pensamento, mas também de o sermos em nós ou sermos nele. E o outro aparece então como o que é e o que não é para ser - esse que de início obsessivamente surgira ao que contempla ainda e já medita no seio do enigma da visão unívoca do ser da verdade na cisão transcendida mas ignorada. Pois, no que é ou vê antes de todo o pensar, o absoluto é, e, o que ele é, se vê a si, e ao mesmo ver, indistinto no absoluto. E, com todo o saber do que é, há então a real e simbólica ignorância do que sabe e no mesmo saber. Pois, sem o que não é para ser, e sem a cisão, e sem a assumpção do Nada, nenhum ser ou forma de ser teria sentido.

Da possibilidade de aceitar plenamente a cisão, ou o que infinitamente separa o ser de si e da sua verdade, queda enfim dependente não só o pensamento do homem e o ser do homem para si mas, enquanto para ele são, todo o divino, todo o angélico ou demoníaco, tudo quanto apreendemos como imediação e imediato, ou na mediação cósmica da razão mais ampla e mais profunda.

A nenhum homem enquanto tal é dado transcender a cisão, a nenhum ser divino, enquanto para o homem, tal é dado. Podemos, entretanto, saber como a cisão que para nós é em realidade e verdade, não é verdadeiramente para si nem para nós enquanto propriamente pensamos. Pois se a cisão está na relação do que imediatamente une para infinitamente cindir, do que infinitamente cinde para absolutamente unir, a cisão é para si como o que se anula. Aquele que sabe como e quanto é dado ao espírito, cuja secreta meditação renovamos chamando-lhe insubstancial substante, aceitar a plenitude da cisão, sabe que o espírito é plenamente livre, sabe que, pelo espírito, o ser que o implica, mas nele se implica, assume imediata mas mediatamente a liberdade. Da doutrina da liberdade, mas não apenas concebida como liberdade humana, como liberdade do e para do homem queda tudo dependente. Também aqui, por certo, não prejulgamos de inédito dizer. Pois a doutrina da liberdade, decisiva para toda a séria teoria da razão e da compreensão, emerge, com a mesma liberdade em sua insubstancialidade incoercível, do vagaroso fluir das primeiras idades do homem e de todo o ser humano ou humanado, para o fim dos tempos que se precipitam».

José Marinho («Teoria do Ser e da Verdade»).


«(...) O que confundiu a cabeça do sr. Pinheiro foi ter lido o meu artigo [A filosofia e seu inverso II]  à luz da crença rotineira de que a grande filosofia do século XIII foi um fruto natural da universidade. Vistas as coisas por esse ângulo, daí decorrem duas consequências. Primeira: o sr. Pinheiro acaba entendendo a minha crítica às universidades medievais como se implicasse uma depreciação da filosofia escolástica, o que só acontece na sua imaginação. Segunda: dessa confusão ele é levado, como em ricochete, a proclamar que as realizações notáveis da escolástica só não apareceram mais cedo porque nas escolas catedrais e monacais vigorava um modelo pronto de homem virtuoso, do qual não podiam resultar grandes filósofos. Foi só quando aquele modelo se dissolveu na "livre discussão" que uma "filosofia propriamente dita" pôde florescer. Ele diz isso com toda a franqueza.

São erros, naturalmente, mas pelos quais sou muito grato, porque (...) permitem (...) explicar-me sobre pontos incomparavelmente mais importantes.

Desde logo, a imagem que hoje temos do esplendor escolástico é construída com base nuns quantos poucos nomes, especialmente Sto. Alberto, Sto. Tomás, S. Boaventura e Duns Scot. Se os apagássemos dos registros, o escolasticismo não teria passado de um episódio curioso na história da educação. E esses não são nomes só de filósofos, mas de Doutores da Igreja: três santos canonizados e um bem-aventurado. Não existe o menor motivo para supor que na vida pessoal esses homens tivessem uma conduta mais frouxa, menos estrita, menos perfeita que a do "modelo pronto" que os anjos invejavam. Não vejo em que a dissolução do modelo pela "discussão racional" poderia ter contribuído nem para a sua santidade, nem para o fortalecimento do tipo especial de inteligência ao mesmo tempo filosófica e mística que os caracteriza, o qual não cresce fora e independentemente da graça santificante, mas decorre dela como um dom especial do Espírito.



Santo Alberto Magno




Também é ingenuidade supor que essas encarnações máximas do génio escolástico fossem produtos típicos do novo meio acadêmico, no qual, bem ao contrário, não se ajustaram confortavelmente jamais. Sua inteligência, sua rígida idoneidade, sua compreensão superior dos mistérios da fé e, last not least, sua coragem intelectual faziam desses quatro mestres os alvos preferenciais das invejas, mesquinharias e maledicências de seus colegas.

Alberto pulou como um cabrito para que a congregação engolisse, de má-vontade, suas teorias aristotélicas sobre o mundo físico. Boaventura sofreu ataques medonhos de Guilherme de Sain-Amour, um potentado universitário da época, no curso de uma campanha sórdida movida pelo clero secular contra os Frades Mendicantes. Quem o defendeu foi Tomás, que depois, também graças a intrigas de acadêmicos, foi por seu turno denunciado como herético duas vezes (uma delas depois de morto). Duns Scot foi expulso da universidade e teve de fugir de cidade em cidade, ameaçado de morte, por defender doutrinas impopulares e tomar o partido do Papa na disputa com o poder real, hegemônico entre os intelectuais na ocasião. Só cinco séculos depois da sua morte ele foi retirado da lista dos indesejáveis, quando sua grande doutrina da Imaculada Concepção de Maria foi finalmente aceita e se tornou dogma da Igreja. Sua beatificação só veio ainda um século depois disso, em 1993.

No mínimo, no mínimo, o sr. Pinheiro, ao enaltecer as vitórias intelectuais da escolástica acima das virtudes "meramente morais" do monaquismo que a antecedeu, deveria ter tido a prudência de notar que os quatro autores maiores daquelas vitórias, aqueles que acabo de mencionar, não podiam de maneira alguma ser universitários típicos, pelo simples fa[c]to de que não eram membros do clero secular que dominava as universidades, e sim, bem ao contrário, vieram das ordens monásticas, nas quais se conservava ainda a disciplina moral das velhas escolas. O contraste entre as mentalidades desses dois grupos era tão pronunciado, que os professores ofereceram uma resistência feroz ao ingresso de monges no corpo docente das universidades (v. o episódio de Boaventura que mencionei acima). Bem, sem esse ingresso, a universidade medieval estaria desprovida de Alberto, Tomás, Boaventura e Duns Scot - de tudo aquilo que para nós, hoje, mais nitidamente caracteriza e merecidamente enobrece a imagem da filosofia escolástica.

Sim, porca miséria, os quatro eram monges, intrusos na comunidade universitária! Como poderiam ser típicos da corporação que rejeitava sua presença? Longe de ser produtos característicos da universidade da época, como o acredita o sr. Pinheiro, esses monges severos e devotos, provindo de um meio social diferente, com hábitos e valores contrastantes, se sobrepunham de tal modo àquele ambiente que só a duras penas puderam ali sobreviver e, às vezes postumamente, triunfar. A magnitude de suas realizações intelectuais deve-se menos à atmosfera universitária do que à força de suas personalidades majestosamente centradas, firmadas na fé e na integridade de propósitos, em contraste com a sofisticada tagarelice de seus colegas, muitas vezes tecnicamente admirável, mas com tanta frequência inspirada em motivos fúteis e na sedução das novidades heréticas. Quando hoje enxergamos a universidade medieval como um momento luminoso na história da educação, é em grande parte porque os melhores homens que ela rejeitou projetam retroativamente sobre ela o brilho da sua glória, e não o inverso. E essa glória, sem dúvida, vem mais das ordens monásticas que os formaram, que do meio social onde ingressaram já adultos, fortes o bastante para desafiá-lo e, a longo prazo, vencê-lo. Se, quando critico a universidade medieval, o Sr. Pinheiro entende que estou falando mal da filosofia dos grandes escolásticos, é, em parte, por seu desconhecimento da história, em parte por seguir o consagrado erro de ótica que coletiviza os méritos individuais e toma as exceções como regras, como se as cátedras universitárias na época estivessem superlotadas de homens da estatura de Tomás e Alberto, e não de técnicos, burocratas, agitadores, doutrinários de dedinho em riste, bedéis e uma infinidade de puxa-sacos.

Não é culpa do sr. Pinheiro, é do vício generalizado de entender os grandes homens como "produtos do seu tempo", quando justamente a grandeza deles consistiu em quebrar a redoma da ideologia de época e injetar no organismo da cultura, a um tempo e contra a resistência do ambiente, a sabedoria esquecida de um passado remotíssimo e as mais inimagináveis perspectivas de futuro.



A Tentação de Tomás de Aquino, por Diego Velázquez.




No caso da filosofia escolástica, toda ela inspirada por aberturas para a eternidade que nenhum condicionamento histórico-social poderia explicar, isso deveria ser perceptível à primeira vista.

Só os medíocres são filhos do seu tempo. Os sábios, os heróis e os santos inspirados são pais dele; são canais por onde a luz da transcendência rompe as limitações do tempo e abre possibilidades que a mente coletiva, por si, jamais poderia conceber. Se a opinião corrente não enxerga isso, é porque o acesso de milhões de incapazes às altas esferas das profissões universitárias obriga hoje a conceber a História sub specie mediocritatis. Que Alberto e Tomás reivindicassem uma filosofia velha de mil e setecentos anos, fazendo-a enfim predominar sobre o rígido agostinismo dominante, e que Duns Scot, contra vento e maré, antecipasse em cinco séculos um dogma da Igreja, são fa[c]tos que deveriam fazer os devotos dos condicionamento histórico pelo menos coçar as cabeças se alguma tivessem».

Olavo de Carvalho («A Filosofia e seu Inverso»).





PHILOSOPHIE ET VIE ANGÉLIQUE


Selon Bernard de Clairvaux, les âmes el les anges possèdent une source identique d'où provient leur beauté réciproque. Ils sont les uns et les autres «en capacité d'éternité» (1). Cependant une grande différence les sépare, l'homme est versatile et l'ange stable; l'homme cède à un constant mouvement de va-et-vient, l'ange est fixé en Dieu.

A l'intérieur de la condition humaine, il existe comme chez les anges une hiérarchie correspondant à des degrés d'orientation, d'amour et de connaissance. Certains hommes n'ont cure du spirituel et s'en détournent; autres commencent à cheminer sur une voie à la recherche de la perfection; mais tout leur paraît difficile et ils abandonnent leur projet. Il en est qui souhaitent vaquer uniquement à Dieu et n'avoir d'autre amour que lui. Amoureux de la Sagesse, ils choisissent la voie de la «Philosophie du Christ» et deviennent moines. Ainsi ils imitent les «anges philosophes» et passent de la région des corps à celle des intelligences.

«Ce que les anges accomplissent au ciel, les moines l'accomplissent sur la terre», écrivait saint Jérôme. Anges et moines se trouvent dans des lieux différents tout en s'adonnant à des occupations identiques; ils vaquent les uns et les autres à Dieu seul; rien ne les distrait de Dieu. Les moines vivent encore dans des corps dont ils éprouvent la pesanteur, mais ils passent constamment du terrestre au céleste et goûtent déjà avec les anges les prémices de la béatitude.

Avec les anges ils chantent Dieu et ne cessent de le louer. Ce n'est donc pas aux anges des rangs inférieurs que les moines s'apparentent, mais aux Séraphins et aux Chérubins, dont ils sont les imitateurs en tant que contemplatifs (2). Anges et moines forment comme deux choeurs qui unissent leurs voix et relient le céleste ao terrestre. Ils lancent des ponts au-dessus de l'abîme qui les sépare; les uns et les autres sont comparables à des passeurs allant d'une rive à l'autre: ils se rejoignent dans le mystère. A vrai dire, suivant les écrivains monastiques, ce sont les moines qui retrouvent les Séraphins et les Chérubins et campent près d'eux. Ils dressent leur tente, car ils sont encore incapables de se tenir constamment dans la dimension céleste. Cependant ils en éprouvent la nostalgie et voudraient s'y fixer de façon définitive. Purifiés de toute pensée et de tout souci terrestre, les moines parviennent à une liberté qui coïncide avec um état de sagesse. Ils sont ainsi capables d'intelliger et de goûter la savoureuse «philosophie du Christ», qui les introduit sinon dans un état de stabilité parfaite, du moins les situe dans sa proximité.

Les moines célèbrent la louange divine et quand leurs lèvres se taisent leur coeur continue la prière; le silence a remplacé la sonorité musicale. La liturgie intérieure qui accompagnait la liturgie extérieure se poursuit quand celle-ci s'interrompt. Cette prière incessante, si chère à l´hésychasme, ne connaît aucune trève puisque même dans le sommeil le coeur du moine veille. Les Psaumes récités au choeur ou dans la solitude de la cellule, comme chez les chartreux, constituent la prière par excellence des philosophes du Christ; elle exprime à la foi l'angoisse de l'éxilé, la confiance en un Dieu qui soutient par ses anges (P.S. XC, 11); les moines devenus ailés échappent aux filets de l'oiseleur (PS. XCI, 3). Bernard de Clairvaux compare le joug du Christ à un plumage léger qui permet d'échapper à la pesanteur terrestre. Il évoque les oiseaux qui peuvent voler grâce à leurs plumes. Qu'on arrache celles-ci l'oiseau deviendra incapable de prendre son vol, il sera fixé sur le sol sans aucun espoir de le quitter (3). Ainsi la vie monastique, pourvoyeuse d'ailes, formes des anges. Ces derniers sont souvent comparés à des oiseaux en raison de leurs ailes et de la beauté de leurs chants. Le moine aussi est un chanteur qui célèbre comme l'oiseau le lever de l'aurore, non seulement celle du jour, mais l'aurore constamment renouvelée de sa connaissance et de son amour. Il chante les saisons liturgiques et celles de son âme.






La récitation du Psautier, l'attention donnée au mouvement des neumes n'est jamais un distraction, car le moine est constamment animé par un rythme intérieur; il chante spontanément comme il danserait. Jean Leclercq dira que la danse liturgique comporte des mouvements (4), processions, inclinations, prosternations qui se font en accord avec l'esprit.

Le cloître est comparable à un Paradis. Non pas le Paradis, mais un Paradis. En effet la tradition en distingue trois. Le Paradis terrestre correspond au premier ciel; le Paradis monastique au deuxième ciel; quant au troisième on ne peut rien en dire car il est secret, il se nomme le Paradis céleste. Cependant, lors de grâces momentanées, d'une brièveté extrême, le troisième ciel s'entrouve sains qu'on puisse pour autant y pénétrer et s'y asseoir. Dans ce troisième ciel, une porte s'entrebaille pour se clore aussitôt. L'ouverture est suffisante pour que la lumière fuse et provoque dans le coeur et l'esprit la nostalgie de l'habiter en permanence.

Bernard de Clairvaux dira à ses moines: «Ne sommes-nous pas montés au troisième ciel?» (5). Il est en effet possible d'y montrer mais pour en redescendre aussitôt. Toutefois les anges se tiennent dans la cellule du moine car elle est déjà un Paradis. Cellule et ciel se correspondent, le mystère de la cellule est une réplique du mystère du ciel. Guillaume de Saint-Thierry, dans son Traité de la Vie solitaire adressé aux chartreux du Mont-Dieu, insiste sur les rapports entre le ciel el la cellule: «ce que recèle le ciel est identique à ce que recèle la cellule; ce qui s'expérimente dans le ciel s'expérimente dans la cellule» (6). C'est pourquoi, selon Guillaume, les anges se tiennent dans la cellule comme dans le ciel, et la cellule du moine apparaît comparable au ciel de l'ange: «Alors, à l'âme qui prie ou qui parfois s'échappe de son corps, de la cellule au ciel, ni longue ni malaisée n'est la route» (7). Adam le Chartreux tiendra un langage identique en écrivant dans son traité De quadripertito exercitio cellae: «Qu'est-ce que la cellule sinon l'entrée du ciel (caeli aula)?» (8). «L'arche était sous les ailes des Chérubins», précise le Livre des Rois (I, VIII, 6), on pourrait en dire autant du monastère protégé par des ailes des anges, car il se tient à l'ombre de leurs ailes (Cf. Ps. XVII, 8; XCI, 4). Pierre de Celle compare le monastère à une mère qui protège ses petits; l'office des anges est de remplir cette fonction maternelle.

C'est ainsi que les anges et les moines deviennent des amis. Entre eux une familiarité s'instaure; ils peuvent s'entretenir de sujets identiques, et communiquent plus encore les uns avec les autres, quand ils demeurent en silence: Dieu les instruit par son silence. Les anges apprennent aux moines à vivre dans les cieux, à monter au dessus du soleil, leur esprit est déjà dans les cieux et plus tard leur corps suivra (9).

Cette tendresse réciproque entre les moines el les anges s'inscrit dans l'ancienne tradition monastique, à laquelle les auteurs du XIIe siècle sont demeurés fidèles. En effet, dans les Apophtegmes, il est souvent parlé des anges qui visitent les solitaires. Antoine reçoit la visite d'un ange qui lui enseigne la division du temps qu'il doit consacrer à l'oraison et au travail manuel; la première Règle monastique est révélée à Pácôme par un ange; un solitaire allant visiter l'abbé Colobos le trouve endormi, près de lui se tient un ange qui l'évente doucement afin de protéger son sommeil (10).

De tels hommes secourus par les anges sont intégrés dans l'harmonie régissant tous les mondes, ils entretiennent avec eux de justes rapports. D'une part, ils fraternisent avec les anges qui appartiennent au monde céleste; d'autre part ils vivent fraternellement avec les plantes et les animaux. Même les bêtes sauvages leur tiennent compagnie. Cette alliance est significative, le moine retrouve létat d'Adam avant la faute; en lui l'image divine déformée a recouvré sa parfaite ressemblance. Au dire d'Ephrem, lors de la mutation d'Adam, les anges furent atterrés. Que l'homme reprenne sa situation primitive, ils se réjouissent. En devenant de nouvelles créatures rénovées par le Christ, les moines-anges sont réintegrés dans l'état de l'Eden originel. Guigues II le Chartreux pouvait dire: «Reviens, mon âme, reviens vers ton origine» (11). Ce retour s'étant effectué, l'âme n'a plus à chercher, «car on ne cherche pas ce que l'on possède» (12).

«Les événements de l'angèlologie, écrit Henry Corbin, sont essentiellement "des événements dans le ciel"; ils transcendent l'histoire; ils sont hiéro-histoire, hagiographie; leur temps n'est pas le temps continu de l'Histoire et de la causalité historique, mais tempus discretum» (13). Il en est de même pour le moine-philosophe; les événements de son existence ne se déroulent pas dans le temps historique, ils se situent par rapport à l'intelligence spirituelle qui déchire les voiles empêchant la lumière de se manifester dans sa plénitude. Ces événements correspondent aux degrés de son ascension, aux étapes franchies durant l'accès au Mont de l'Horeb, à des initiations successives le conduisant vers la Face divine. Cette face, il ne pourra la contempler que dans la béatitude future, mais déjà il lui est possible de loin d'en discerner l'aura. Les chevaliers angéliques, les chevaliers célestes comme nommait les moines le concile de Frioul de 796, non seulement prolongent l'órdre des anges, mais peuvent l'égaler. L'ange témoigne de la Présence divine et de sa transcendance, le moine aussi. Il est parlé des Cherubim qui forment le trône de Dieu, le coeur du moine devient aussi un trône. La voie angélique est d'ordre extatique, celle du moine l'imite. Certes les différences subsistent: d'un côté, la réalité plénière est atteinte; de l'autre, il n'en existe que l'ébauche. Toutefois l'ange et l'homme sont initiés aux mystère de la Face divine. Et c'est dans ce sens que moines et anges sont de parfaits Philosophes.


Le moine n'a pas seulement à s'associer aux anges, il est lui-même un ange. En accédant à l'état angélique, il rend vivante la lumière qu'il possède par sa propre naissance. Cette lumière n'est rien d'autre que l'image (eikon) impérissable, à qui le Logion 84 de l'Évangile selon Thomas donne le nom d'ange (14). Quand l'homme devient angélique, son homme de lumière, c'est-à-dire son ange, se manifeste. Il se produit une éclosion de son ange dès qu'il est parvenu à l'État d'«homme spirituel», d'anthropos pneumatikos. Il est donc parfaitment normal que le moine soit appelé «ange» (in Initiation Médiévale. La philosophie au douzième siècle, Bibliothèque de l'Hermétisme Éditions Albin Michel, 1987, p. 254-258).



Notes:

(1) Bernard de Clairvaux, De Consideratione, V, III, S. P.L. CLXXXII, 790.

(2) Les anges supérieures, tels les séraphins et chérubins, remplissent ce qu'on pourrait appeler une vocation acosmique, tandis que les anges des hiérarchies inférieures tiennent un rôle cosmique sous les ordres de Dieu. Les moines imitent «en partie» ces différents degrès. La vocation acosmique humaine est fort rare et ne peut répondre qu'à un appel tout à fait particulier. Une telle vocation ne saurait être comprise para la majorité des hommes. En Occident, même dans les ordres chrétiens strictment contemplatifs, la réalization acosmique n'est guère possible et sans doute fort dangereuse. On peut la trouver en Inde chez ceux qui pratiquent le sannyâsa. Voir Dom Henri Le Saux (Swami Abhishiktananda), Initiation à la spiritualité des Upanishads, op. cit., p. 159 sq.

(3) Serm. XVII, 1, De Diversis. P.L. CLXXXIII, 583.

(4) Jean Leclercq, La Vie parfaite. Points de vue sur l'essence de l'état religieux, op. cit., p. 19.

(5) Serm. XXXVII, 8, de Diversis, P.L. CLXXXII, 643.

(6) Guillaume de Saint-Thierry, Un Traité de la Vie Solitaire, éd. M.-M. Davy, Paris, Vrin 1945, p. 207.

(7) Ibid.

(8) P.L. CLIII, 810.

(9) Bernard, Lettre CCLXXVIII, I. P.L. CLXXXII, 427-428.

(10) Voir les différents textes cités par M.-M. Davy, Le moine et l'ange en Occident au XIIe siècle, dans L'Ange et l'Homme, «Cahiers de l'Hermétisme», Paris, Albin Michel 1978, p. 109 sq.

(11) Guigues II le Chartreux, Lettres sur la vie contemplative, Douze méditations, trad. par un chartreux, S.C. 163, Paris, Éd. du Cerf 1978, p. 157.

(12) Bernard, Serm. in Cant., LXXV, 9. P.L. CLXXXIII, 1149.

(13) Henry Corbin, Nécessité de l'angéologie, dans L'Ange et l'Homme, «Cahiers de l'Hermétisme», Paris, Albin Michel 1978, p. 48.

(14) Cf. H.-C. Puech, Doctrine et thèmes gnostiques dans l´´evangile selon Thomas, compte rendu d'un cours donné au Collège de France, dans Annuaire du Collège de France, 70e anné, Paris 1970, p. 274.





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